sexta-feira, dezembro 30, 2016

Sobre material escolar

O Sporting está a três meses do seu ato eleitoral e enquanto não for público o nome do candidato que se irá bater contra a situação continuará a restringir-se ao Benfica a verborreia do presidente em exercício. São da mais elementar cartilha dos jogos da conservação do poder estes ataques desenfreados ao "inimigo externo" apontado a dedo como o culpado de todos os males que afligem a nação.

Sem pretender estabelecer comparações sempre injustas até porque, sendo princípio básico que "cada caso é um caso", há menos de 20 anos teve o Benfica um presidente que subsistiu triunfalmente bastando-lhe para tal eleger a Sport TV de Joaquim Oliveira como o "inimigo externo". E, se quisermos andar ainda mais para trás, muito para trás, não destoará recordar os episódios medievais da guerra declarada a Lisboa lançada com retumbante sucesso por José Maria Pedroto quando se viu a comandar um FC Porto que, historicamente, claudicava mal punha os pés na margem sul do Douro já considerado como território hostil da mouraria.

Estes procedimentos corriqueiros na sua essência continuam, no entanto, a espantar gente incauta, ou apenas distraída, que se surpreende a cada arremetida do mesmo género vendo nestes furores primários, tão do agrado das bases, uma grossa novidade sem par. Nada mais errado. É a política, pá! 

E é, precisamente por se tratar de uma questão de política, que os opositores internos de Bruno de Carvalho se mantém numa doce clandestinidade exercitando os seus argumentos anónimos no remanso das redes sociais, poupando-se estrategicamente ao confronto direto com o "brunismo" reinante e canalizando para o Benfica toda a veia persecutória do presidente dos leões até ao dia – sabe-se lá quando… - em que entenderem dar a cara e enfrentar o tal sujeito que se considera a si próprio uma referência do futebol mundial. 

E só por isto se vê como a coisa promete. No que diz respeito ao Sporting é esta, em toda a sua simplicidade, a questão do momento. No que diz respeito ao Benfica a questão é a de se definir se deve o tricampeão consentir, ou não, ver-se envolvido na campanha eleitoral em curso do outro lado da 2ª Circular até porque, francamente, é do seu supremo interesse que se mantenha o atual "status quo" em Alvalade. 

Por isto mesmo terá sido grande desperdício de tempo a resposta que o novo diretor de comunicação do Benfica entendeu dar perante a última alocução do presidente do Sporting visto não haver ninguém em Portugal que precise de explicações sobre a necessidade política de provocar o Benfica sempre que a luz de um adorado holofote lhe acende o discursar. O resto são golos. E material escolar. 

A primeira equipa do mundo a ser "roubada" pelo vídeo-árbitro 
Se houvesse por cá vídeo-árbitro o dérbi de domingo estaria ainda hoje suspenso à espera de que a componente "árbitro" da componente "vídeo" chegasse a uma conclusão irrefutável sobre a existência ou não de dolo nos lances apontados como polémicos pelo lado dos vencidos e pelo lado dos vencedores. 

O público por lá continuaria, sofrendo as agruras de uma semana de ausência dos empregos e das obrigações escolares, enquanto o colégio de juízes diante do ecrã não fizesse o favor de se decidir. Estas coisas não podem ser à pressa. Veja-se o caso do vídeo-árbitro testado no Mundial de clubes a decorrer no Japão. 

No jogo entre os colombianos do Nacional e os japoneses do Kashima, a tecnologia detetou uma falta para grande penalidade mas não detetou que a dita infração fora cometida fora da área, resultando daí grande prejuízo para a verdade desportiva. 

Mas fez-se história: o Nacional de Medellín foi a primeira equipa do mundo a ser roubada pelo vídeo-árbitro. É outra categoria.


Fonte : Leonor Pinhão @ correio da manha

Donald Trump e "O costa do castelo": um estudo

Quando se soube que a China tinha recolhido um drone subaquático americano em águas internacionais, Donald Trump observou no Twitter que se tratava de um acto "sem presidentes". Algum tempo depois corrigiu para "sem precedentes", mas já era tarde: a explicação para a sua eleição tinha sido finalmente encontrada.

Foi uma tarefa difícil. Ao longo dos últimos meses, vários analistas políticos tentaram descobrir a razão que pudesse justificar que Trump tivesse sido eleito.

Para uns foi por Hillary ser mulher, para outros foi por não ser mulher o suficiente, para outros ainda foi por ser mulher de Bill Clinton. Para certos filósofos amadores, o alaranjado troglodita venceu por representar os desfavorecidos o que constitui uma proeza notável para um milionário que admite não pagar impostos. Para outros analistas, igualmente argutos, Trump ganhou por causa do racismo da sociedade americana a mesma sociedade que tinha eleito um negro para dois mandatos seguidos. Para Bernie Sanders, e cito, "Trump ganhou porque as pessoas estão cansadas da retórica do politicamente correcto". Mas a mais perspicaz foi, sem dúvida nenhuma, a famosa politóloga Madonna, segundo a qual "Trump ganhou porque as mulheres se odeiam umas às outras". "Está na sua natureza", concluiu a especialista. É uma teoria que não consegue explicar a eleição de Thatcher, Merkel, Dilma e Fátima Felgueiras, por exemplo, mas já fazia falta uma voz que viesse recriminar as malvadas sufragistas: isto de as mulheres poderem votar, ao que parece, impede as mulheres de chegarem ao poder. Infelizmente, Madonna não pôde aconselhar Emmeline Pankhurst, e agora estamos metidos neste lodaçal da igualdade de direitos. Com surpresa minha, ninguém considerou a hipótese de a vitória de Trump se dever ao facto de 50 milhões de pessoas terem dito "eu vou mas é votar no Pinheiro de Azevedo se ele tornar a ir para o hospital, pronto", embora essa possibilidade seja bastante melhor do que qualquer das outras.

Até que, esta semana, Donald Trump chamou a uma manobra militar chinesa um acto "sem presidentes", e revelou que é, afinal, uma personagem de um filme português dos anos 40. Trump é, sem tirar nem pôr, "O Pai Tirano" até porque também é pai, e tudo indica que vá ser tirano. Não admira que tenha sido eleito: toda a gente tem ternura por aquelas personagens, cuja ignorância compõe trocadilhos involuntários que dão muita vontade de rir. Foi assim que ele conseguiu interpretar o sintimento assim mesmo, com i do povo americano. Quando, durante a campanha, ele disse que adorava os eleitores com menos habilitações não estava a ser paternalista estava a revelar auto-estima.

Fonte: Ricardo Araujo Pereira @ Visão

segunda-feira, dezembro 26, 2016

A nossa crise chamou-se Jonas

Facto notável, este de o Benfica ter chegado ao fim de Dezembro vivo para todas as competições nacionais e internacionais que se dispôs a abordar com a seriedade que o seu nome, história e ambição lhe recomendam. E não foi nada fácil ultrapassar a tormentosa série de circunstâncias que, por períodos mais ou menos longos, afastou dos trabalhos da sua equipa de futebol jogadores justamente considerados fulcrais para o êxito. Agora que a temporada se aproxima do seu meio e perante resultados que garantem uma Consoada pacífica, é caso para se dizer que todos os jogadores do Benfica se tornaram fulcrais, mesmo os menos estimados como tal pela crítica sempre exigente e também pelos adeptos frequentemente impiedosos nos seus rankings e afetos.

Um dos méritos maiores de Rui Vitória no conturbado arranque hospitalar de 2016/17 foi o de explicar bem cedo a toda a gente interessada que, ao contrário do que seria de supor, cada lesão - e que rodopio de lesões! - seria encarada como "uma oportunidade e não como um drama". O treinador não falhou na sua previsão e os jogadores chamados a cobrir as ausências nunca falharam no que lhes foi exigido e não foi pouco. Talvez este primado da confiança somado a um percurso muito positivo da equipa expliquem a indiferença com que um caloroso vizinho da bancada recebeu na última quarta-feira a notícia de que, ao contrário do que tinha sucedido no jogo com o Estoril, seria Mitroglou o titular contra o Rio Ave, ficando Raúl Jiménez no banco a descansar.. "Tanto faz", disse, acabando a sorver o seu cafezinho antes de se dirigir tranquilamente para o seu lugar.

Na verdade, não "tanto faz" porque se trata de modelos diferentes de jogo, mas se nos lembrarmos de que o Benfica mal começou a época e já tinha os seus trés avançados - o grego, o mexicano e Jonas - na enfermaria e de que, com estas baixas, não se atrasou em nenhuma das corridas, talvez se justifique a gritante falta de "drama" que nos sossega a cada contrariedade.

Por tudo isto, o regresso de Jonas, o mais fulcral de todos os fulcrais, foi recebido com alegria esfusiante pelos pelos adeptos. Embora não se tenha notado muito, disfarçada que foi pelo empenho geral, o Benfica resistiu categoricamente à crise de meses provocada pela ausência do seu melhor jogador sem que a dita crise molestasse minimamente as ambições da casa. Um feliz Natal!


Fonte: Leonor Pinhão @ record



sexta-feira, dezembro 23, 2016

Mariquice linguística

Como, por razões de saúde, não estou presente nas chamadas redes sociais, conto com vigilantes florestais amigos para me manterem informado acerca dos incêndios que vão lavrando por lá. Tendo sido esta semana responsável por um, ainda que de pequena dimensão, desejo aproveitar este momento, em que os indignados não dedicaram ainda a sua indignação a outro alvo, para os indignar ainda mais.

O escritor e crítico literário Eduardo Pitta (EP) comentou certo passo de uma das centenas de entrevistas que tenho dado a propósito do lançamento de um livro. O entrevistador falou--me de uma rábula antiga em que se usavam palavras como "coxo" e "mariconço". E eu disse que esse sketch, bem recebido na altura, hoje seria, provavelmente, considerado inadmissível.

As observações de EP vieram demonstrar que eu tinha mais razão do que pensava. Diz ele: "(.) em Portugal, (.) os homossexuais masculinos dividem-se em três grupos: homossexuais, gays e bichas. (.) não sei o que é um mariconço. (.) Mas RAP lamenta não poder achincalhar os mariconços." Estou a tentar reproduzir com rigor e honestidade as palavras de EP um cuidado que, infelizmente, ele não teve comigo: eu nunca lamentei não poder achincalhar os mariconços (até porque, na verdade, posso e considero, aliás, que todas as pessoas, independentemente da cor, género, religião ou orientação sexual podem ser achincalhadas. Sou pela igualdade).

O sketch em causa, curiosamente, não achincalhava ninguém.

A rábula não tinha (mas talvez devesse ter) a clássica indicação "nenhum mariconço foi magoado durante a filmagem deste sketch", para sossego de todos. Para situar os leitores que têm o bom gosto de não acompanhar o meu trabalho, explico melhor: era uma rábula sobre a enunciação de palavras tais como "coxo", "vesgo", "fanhoso" ou "mariconço", num tipo de discurso a que não deviam pertencer. No sketch, uma personagem não domina certos códigos de linguagem e outra corrige-a. Dito assim parece aborrecido, mas o visionamento da rábula acaba por demonstrar que é mesmo aborrecido.

Ora, hoje não interessa o contexto nem a intenção com que uma palavra é dita: a sua simples enunciação é uma ofensa um achincalhamento. Nos EUA, livros como Não Matem a Cotovia estão a ser banidos dos programas e das bibliotecas por conterem a palavra "nigger". Não importa se o objectivo é denunciar o racismo ou praticá-lo: aquela palavra é interdita.

Este apetite para excluir palavras do espaço público tem várias causas. Vou começar pela palavra "coxo" (embora a comunidade coxa tenha mantido a este propósito o silêncio sensato do costume).

Decidiu-se que pessoas como os coxos são demasiado frágeis para aguentarem o peso da palavra "coxo". Há que almofadar o vocábulo, para os proteger. Talvez o caso mais interessante seja o da palavra "velho".

Para salvar os velhos do opróbrio da palavra "velho", o termo foi substituído por "sénior". Mas este ano, o Departamento de Excelência Inclusiva da universidade do New Hampshire concluiu que substituir a palavra "velho" por um eufemismo poderia indicar que estamos a colocar uma carga negativa na velhice (o que, aliás, é óbvio).

De modo que resolveram banir a palavra "sénior" e reabilitar a palavra "velho".

A palavra "mariconço" é rechaçada por outras razões, entre as quais a seguinte: há uma compulsão actual para a literalidade que leva a que certas pessoas acreditem que as palavras têm um único significado. É um entendimento infantil do funcionamento da linguagem, mas é o argumento de EP: "mariconço" designa um homossexual masculino, e ele só não sabe que lugar lhe atribuir na sua taxinomia de homossexuais. No meu mundo, no entanto, as palavras têm mais do que um significado. Quando digo às minhas filhas que não sejam maricas, não estou a pedir-lhes que não sejam homossexuais masculinos. Elas sabem, aliás, que, se quiserem ser homossexuais masculinos, o pai não se opõe. Do mesmo modo, quando digo que "estou fodido", não pretendo transmitir a ideia de que as relações sexuais são desagradáveis, embora o diga sempre em tom de lamento. Quando a comunidade homossexual escolheu, e bem, adoptar a designação "queer", transformou um insulto num emblema. É uma das características que distinguem as palavras dos actos: uma ofensa pode passar a ser uma honra; um soco nunca deixa de magoar. Quando Mark Ashton organizou o "Concerto dos Pervertidos", não contribuiu para perpetuar a ideia de que a homossexualidade é uma perversão ajudou a destruí-la. Ashton é um herói pessoal porque, na minha qualidade de mariconço, nutro especial respeito por homossexuais que não são dados a mariquices.

Mas, infelizmente, agora vivemos num tempo em que até os escritores parecem ter esquecido que a linguagem é mais complicada do que parece. E isso foi a única coisa que eu lamentei.


Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ Visão

terça-feira, dezembro 20, 2016

Está tudo explicado

O Benfica venceu o Sporting no domingo e na quarta feira - feira qualificou-se sem sobressaltos para os oitavos-de-final da Taça de Portugal. O dérbi revelou-nos a beleza do futebol de Rafa, agora que o ex-bracarense se vê recuperado do problema físico que o afligia, e o jogo com o Real Massamá revelou-nos a infinita habilidade de Cervi e de Zivkovic, que chegaram no Verão passado à Luz. Até o sorteio da Liga dos Campeões correu bem ao Benfica. Não porque seja, nem em sonhos, favorito diante do Borussia de Dortmund, mas precisamente porque, vendo-se livre dessa responsabilidade toda alemã, tem campo aberto para fazer boa figura, que é o que sempre se deseja aos nossos nestes confrontos desiguais..

Agora que os juízes do Tribunal Arbitral do Desporto levantaram a pena de 60 dias de suspensão a Luís Filipe Vieira - que, entre outros constrangimentos, o impedia de falar, sob risco de agravar para o dobro o castigo - é, desejável que, mantendo-se fiel ao seu silêncio, não caia no erro de se imiscuir na vida própria dos emblemas rivais.

Seria altamente impróprio para o presidente do Benfica dizer o que quer que fosse sobre a recente entrevista de Pinto da Costa ao JN, que é toda ela um discurso para o interior do FC do Porto - " Se não fosse o meu filho não tínhamos o Rui Pedro "..." Vejo para aí 500 candidatos à minha sucessão "... -, nem, muito menos, sobre o cacharolete de declarações de Bruno de carvalho de domingo, de segunda-feira, de terça-feira, de quarta-feira, de quinta-feira e de sexta-feira, porque somadas são todas elas peças de um mesmo discurso para o interior do Sporting - " Quero que as minhas filhas tenham orgulho em mim e só se fala de dinheiro"... " Quando aparecerem os candidatos logo direi o que tenho a dizer sobre cada um "... o que, certamente, fará.

Por muitos prementes que sejam, como aparentemente são, as legítimas questões eleitorais no Dragão e em Alvalade e por mais frequentes que sejam os convites para o Benfica ir a jogo ao lamaçal, sendo o mesmo Benfica estranho ao que se passa em casa dos outros, não tem de se prestar para o exterior ao papel de "partner" voluntário dessas necessidades bélicas nem, para o seu interior, ao papel de "explicador" de situações a que é alheio. Porquê? Porque, basicamente, já está tudo explicado. Ou não está?


Fonte: Leonor Pinhão @ record



Sobre material escolar

O Sporting está a três meses do seu ato eleitoral e enquanto não for público o nome do candidato que se irá bater contra a situação continuará a restringir-se ao Benfica a verborreia do presidente em exercício. São da mais elementar cartilha dos jogos da conservação do poder estes ataques desenfreados ao "inimigo externo" apontado a dedo como o culpado de todos os males que afligem a nação. 

Sem pretender estabelecer comparações sempre injustas até porque, sendo princípio básico que "cada caso é um caso", há menos de 20 anos teve o Benfica um presidente que subsistiu triunfalmente bastando-lhe para tal eleger a Sport TV de Joaquim Oliveira como o "inimigo externo". E, se quisermos andar ainda mais para trás, muito para trás, não destoará recordar os episódios medievais da guerra declarada a Lisboa lançada com retumbante sucesso por José Maria Pedroto quando se viu a comandar um FC Porto que, historicamente, claudicava mal punha os pés na margem sul do Douro já considerado como território hostil da mouraria. 

Estes procedimentos corriqueiros na sua essência continuam, no entanto, a espantar gente incauta, ou apenas distraída, que se surpreende a cada arremetida do mesmo género vendo nestes furores primários, tão do agrado das bases, uma grossa novidade sem par. Nada mais errado. É a política, pá! 

E é, precisamente por se tratar de uma questão de política, que os opositores internos de Bruno de Carvalho se mantém numa doce clandestinidade exercitando os seus argumentos anónimos no remanso das redes sociais, poupando-se estrategicamente ao confronto direto com o "brunismo" reinante e canalizando para o Benfica toda a veia persecutória do presidente dos leões até ao dia – sabe-se lá quando… - em que entenderem dar a cara e enfrentar o tal sujeito que se considera a si próprio uma referência do futebol mundial. 

E só por isto se vê como a coisa promete. No que diz respeito ao Sporting é esta, em toda a sua simplicidade, a questão do momento. No que diz respeito ao Benfica a questão é a de se definir se deve o tricampeão consentir, ou não, ver-se envolvido na campanha eleitoral em curso do outro lado da 2ª Circular até porque, francamente, é do seu supremo interesse que se mantenha o atual "status quo" em Alvalade. 

Por isto mesmo terá sido grande desperdício de tempo a resposta que o novo diretor de comunicação do Benfica entendeu dar perante a última alocução do presidente do Sporting visto não haver ninguém em Portugal que precise de explicações sobre a necessidade política de provocar o Benfica sempre que a luz de um adorado holofote lhe acende o discursar. O resto são golos. E material escolar. 


A primeira equipa do mundo a ser "roubada" pelo vídeo-árbitro 
Se houvesse por cá vídeo-árbitro o dérbi de domingo estaria ainda hoje suspenso à espera de que a componente "árbitro" da componente "vídeo" chegasse a uma conclusão irrefutável sobre a existência ou não de dolo nos lances apontados como polémicos pelo lado dos vencidos e pelo lado dos vencedores. 

O público por lá continuaria, sofrendo as agruras de uma semana de ausência dos empregos e das obrigações escolares, enquanto o colégio de juízes diante do ecrã não fizesse o favor de se decidir. Estas coisas não podem ser à pressa. Veja-se o caso do vídeo-árbitro testado no Mundial de clubes a decorrer no Japão. 

No jogo entre os colombianos do Nacional e os japoneses do Kashima, a tecnologia detetou uma falta para grande penalidade mas não detetou que a dita infração fora cometida fora da área, resultando daí grande prejuízo para a verdade desportiva. 

Mas fez-se história: o Nacional de Medellín foi a primeira equipa do mundo a ser roubada pelo vídeo-árbitro. É outra categoria.


Fonte: Leonor Pinhão @ correio da manha


sexta-feira, dezembro 16, 2016

Até que o vós me doa

Tenho saudades de uma pessoa. É a segunda pessoa do plural. Em Lisboa, como sabeis, fora do púlpito praticamente ninguém a usa. Se calhar, tem um sabor antigo – e vós desejais ser modernos. Ou então soa a beatice – e vós ambicionais ser marotos. Seja por que razão for, a segunda pessoa do plural foi substituída por uma formulação meio esquisita. Em vez de “vós falais”, dizeis “vocês falam”. (Eu também digo, mas estou a conter-me para efeitos de comédia.) Ora, “falam” é a terceira pessoa do plural e, por isso, “vocês falam” constitui uma mixórdia linguística. 
A forma verbal que usamos para “eles”, aplicamos a “vós”. Na verdade, a “vocês” – que, ao que parece, resulta da contracção das palavras “vossas mercês”, uma expressão pelo menos tão antiquada como “vós”. Em Lisboa (e não só) dizemos, por isso, “vocês falam” e “eles falam”. Aquele “falam” passa a servir para tudo. Em inglês, a mesma forma verbal também serve para várias pessoas: I speak, you speak, we speak, they speak. É uma falta de higiene e uma vergonha. Parece uma língua inventada por crianças.

Façamos um esforço para retomar o vós. E, de caminho, tentemos também recuperar esta forma de imperativo que parece usar o presente do conjuntivo. Nos livros, ainda se diz: “Brindemos à saúde do Vítor.” Na vida real, no entanto, toda a gente diz: “Vamos brindar à saúde do Martim”, não só porque ninguém usa aquele imperativo, como porque já quase ninguém se chama Vítor. Os colegas das minhas filhas têm nomes completamente diferentes dos colegas que eu tinha na idade delas. Não há um Jorge, acabaram os Fernandos e os Paulos, escasseiam os Carlos e rareiam mais ainda os Vítores. Já no meu tempo, não havia Vicentes, e quase ninguém se chamava Tomás, Martim ou Lourenço. Vós chamastes outros nomes aos vossos filhos e parastes de invectivar os amigos com o imperativo que pede emprestado ao conjuntivo. “Partamos imediatamente, Alberto!”, costumava exclamar-se. “Vamos embora, João Maria!”, grita-se agora. Estais dispostos a reaver conjugações antigas? Se sim, contactai-me. Tentemos organizar um grupo de gente saudosa deste modo de falar, e decidida a devolver-lhe o uso. Já houve iniciativas piores, não diríeis?


Fonte: Ricardo Araújo Pereira  @ Visão


domingo, dezembro 11, 2016

Uma coisa não invalida a outra

Ainda não será um vício mas já começa a ser uma mania. Que este Benfica se vê sempre aflito, muito aflito, quando encontra pela frente equipas que o pressionam nos momentos da construção do seu jogo  ofensivo é um dado corriqueiro de cultura geral. Melhor seria, ouve-se murmurar pelos cafés da Baixa, no turbilhão dos transportes públicos e nas cátedras universitárias, que nestes desafios de ulterior importância o Benfica abdicasse dos seus galões e da consequente prosápia surpreendendo o adversário, seja ele qual for, com um meio-campo reforçado, um futebolzinho contido todo feito de paciência à espera dos erros alheios que, inevitavelmente, acabam por acontecer nos noventa minutos da função. É de duvidar se esta propalada mudança de paradigma se vai apresentar pela primeira vez em campo já este domingo tendo em conta que Rui Vitória não é propriamente um treinador sugestionável pelas marés da opinião pública e pelos juízos da crítica especializada que, regra geral, pouco ou nada diferem entre si em substância e se resumem a isto : contra adversários da sua igualha o Benfica tem dificuldades em tomar conta da situação e terá sido por isso que, na época de 2015/2016, perdeu trés vezes com o Sporting e duas vezes com o Porto. Só más notícias, portanto.

A boa notícia é que o Benfica de Rui Vitória quando não se vê na obrigação formal de assumir as despesas do jogo já se mostrou capaz, para alegria de muita gente, de surpreender tudo e todos com resultados tão positivos quanto inesperados e que lhe foram imensamente úteis. Foi assim, sólido e expectante, que venceu em Alvalade o dérbi da segunda volta da temporada passada que lhe terá valido no fim das contas a conquista do seu terceiro campeonato consecutivo. E foi assim, consistente e sem urgências ofensivas, que o Benfica foi vencer o Atlético de Madrid, normalmente intratável no seu campo, naquela que terá sido a sua exibição mais pragmática e mais esperta na era de Rui Vitória. Foi uma beleza. Já lá vais mais de um ano.

Na quarta-feira, o tudo menos avassalador Legia, que não ganhava há 21 anos na Liga dos campeões, soube solutions er tão sorrateiro a jogar e tão esperto a defender que, à laia de bombom, ainda dispôs de trés oportunidades flagrantes de golo nos últimos dez minutos do jogo de Varsóvia. É que uma coisa não invalida a outra. Carrega, Benfica!


Fonte : Leonor Pinhão @ record 


Trabalho infantil e não só

É de louvar o acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto que ilibou o presidente do Sporting de qualquer dolo depois de analisados os fundamentos da participação que o Benfica, queixinhas, fez chegar aos escritórios da referida entidade. 

Vá lá saber-se porquê sentiu-se o Benfica difamado pelas declarações públicas do presidente do Sporting no correr da novela dos "vouchers" e entenderam os da Luz que melhor seria levar o caso até à autoridade disciplinar competente. Um ano depois de se ter dado início ao processo chegou, finalmente, o TAD a uma decisão que absolve Carvalho de qualquer ilícito criminal na matéria. 

Foi uma boa decisão inspirada, curiosamente, numa recentíssima deliberação de um outro órgão do nosso futebol, o Conselho de Arbitragem, que entendeu fazer chegar por carta registada a todos os árbitros a recomendação de não serem avaros no tempo concedido de descontos sempre que se depararem com o exercício livre do antijogo em atividade. 

E, assim, enquanto os árbitros devem dar o desconto justo também o Tribunal Arbitral do Desporto entendeu que se deve também dar o desconto às alocuções televisionadas do presidente do Sporting em função dos traços do seu caráter enquanto cidadão com "um estilo que faz parte de uma personalidade com uma noção de urbanidade sui generis, criticável e censurável no plano da vivência social" pelo que "é evidente que as afirmações proferidas por Bruno de Carvalho estão longe de se poderem considerar um modelo de relacionamento urbano". Foram estas as novidades da semana que antecede o dérbi: os árbitros têm de dar o desconto quando o antijogo impera e o país tem de dar o desconto devido a Carvalho quando extravasa os modelos de urbanidade no seu "tom exagerado, repetitivo e apologético" como se pode ler no acórdão do TAD. 

Dentro do mesmo espírito surgiu-nos novo episódio: um jogador federado das camadas jovens do Sporting utilizou as redes sociais para revelar a sua veia de poeta-pirómano numa quadra mal medida mas bem explícita quanto ao âmago do seu devaneio: diz que quer ver as bancadas da Luz a arder tal como aconteceu por ocasião de um dérbi em 2011. 

Certamente que a disciplina federativa não vai punir este lirismo odiento porque há que dar desconto à juventude do jogador transferido sensacionalmente do Pontinha para Alvalade no último verão, há que dar desconto ao facto de ser filho do presidente dos árbitros e de uma assessora do presidente da Liga e, sobretudo, há que lhe dar desconto porque somos um país de poetas. 

Deu-se aqui o caso de não ser o bom senso a falar 
O FC Porto resolveu a míngua de golos com uma sonora tareia aplicada ao campeão inglês e prepara-se para assistir no sofá ao Benfica-Sporting que lhe renderá dividendos porque um dos dois vai perder pontos. 

Até pode acontecer que percam pontos os dois dando-se o caso, corriqueiro, de o jogo terminar empatado. No universo portista é esta a questão que tem andado no ar: que resultado do dérbi melhor serviria os nossos interesses? 

As opiniões dividem-se como é costume nestas situações. No entanto, os mais ajuizados garantem que o melhor para o FC Porto seria não dar por garantida a vitória sobre o Feirense no lugar de se preocupar com o resultado da Luz. É o bom senso a falar. 

Veja-se, por exemplo, o caso do treinador do Sporting que anunciou com duas semanas de avanço a "Liga Europa muito bonita" que o Sporting ia fazer, esquecendo-se de que, para tal, ainda lhe faltava pontuar em Varsóvia, o que acabou por não suceder. Deu-se aqui o caso de não ser o bom senso a falar.


Fonte: Leonor Pinhão @ correio da manha


sexta-feira, dezembro 09, 2016

Peço desculpa, contive-me

Segundo diz aquele grupo de nostálgicos para os quais antigamente é que era bom, vivemos hoje uma profunda crise de valores. Depois de ter visto o incidente do debate entre Mourinho Félix e Leitão Amaro, sinto-me tentado a concordar. Já tive ocasião de lamentar aqui a aflitiva pobreza dos insultos na política portuguesa contemporânea, mas creio que esta semana teremos atingido um novo mínimo. O melhor que o secretário de Estado conseguiu foi dizer que o deputado do PSD revelava, e cito, "uma disfuncionalidade cognitiva temporária". Trata-se, possivelmente, do insulto mais pífio da história dos vitupérios.

É uma ofensa vergonhosa, que faz os possíveis para não magoar. "Disfuncionalidade cognitiva" é uma construção que significa burro, mas já se sabe como as perífrases retiram agressividade a uma ideia. Esta, além do mais, através da palavra "disfuncionalidade", sugere e existência de uma patologia, da qual o insultado não tem culpa. E a necessidade de salientar que se trata de uma condição "temporária" é mais um paninho quente que contribui para embolar a injúria, de modo a que ela acabe por não injuriar. No máximo, o que Mourinho Félix conseguiu foi insinuar que Leitão Amaro estava armado em parvo. É pouco.

O PSD, por outro lado, esteve bem quando reagiu com indignação, mas mal quando dirigiu a indignação para o sítio errado. A bancada social-democrata exigiu que o secretário de Estado se retractasse, mas devia ter exigido que o governante formulasse um insulto sério e competente.

"Com que delicada flor pensa Vossa Excelência estar a debater?", deviam ter perguntado os sociais-democratas.

"Faça o favor de dirigir ao nosso companheiro uma afronta que vilipendie como deve ser", teriam acrescentado se ainda houvesse honra no parlamento. Em vez disso, segundo a SIC Notícias, que cronometrou o castigo, os deputados do PSD impediram que o secretário de Estado falasse durante quatro minutos e 47 segundos. Nem o progenitor mais leniente alguma vez disse ao seu filho: "Como o menino se portou mal, vai ficar quatro minutos e 47 segundos sem ver televisão." É uma pena ridícula que se ajusta a um delito patético isso é certo. Mas que empenho pode o povo esperar dos seus representantes quando as legítimas divergências democráticas, em lugar de lhes fazerem ferver o sangue, lhes põem a circular nas veias uma cabidela morna e pastelona, incapaz de produzir uma irritação que se apresente? Portugal merece que os seus deputados encontrem um meio-termo entre o que volta e meia acontece no parlamento de Taiwan e o que esta semana sucedeu no nosso: um modelo de discussão rija sem ser selvagem e cordata sem ser mariconça. Normalmente, as pessoas desculpam-se dizendo: "Excedi-me." O sr. secretário de Estado devia ter a decência de nos dizer a todos: "Peço desculpa, contive-me."

Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ Visão

terça-feira, dezembro 06, 2016

O treinador adivinhou

Caros leitores, estarão certamente recordados daquele momento em que Nuno Espírito Santo, o infeliz, porém educadíssimo, treinador do FC Porto saltou do banco como se tivesse sido atingido por um raio e esbracejando, pulando e correndo ao longo da bem delimitada linha lateral festejou de forma pletórica de felicidade o singular golo que Diogo Jota marcou ao Benfica no minuto 5 da segunda parte do último clássico no Dragão. 

Foi, de facto, um minuto inesquecível porque o futebol é em todo o mundo, e por direito próprio, um espetáculo dentro e fora das quatro linhas. Que o diga José Mourinho brutalmente penalizado pelas autoridades em Inglaterra por ter acertado, na semana passada, com um pontapé numa pacífica garrafa de água posta no caminho do "special one" com o intuito de acrescentar novos elementos cénicos ao jogo e às discussões. 

Regressemos à noitinha de 6/11, a Nuno Espírito Santo e à glória dos seus festejos quando viu a bola rematada por Jota passar sorrateira entre o poste e Ederson e depois, continuando o seu trajeto, passar para lá da linha de golo estabelecendo o resultado de 1-0 a favor dos visitados que assim se manteria até ao fatal minuto 92. Logo na altura houve quem visse em toda aquela alegria um bocadinho de exagero porque o desafio estava longe de estar ganho e também porque não fica bem a um treinador do FC Porto dar tanta importância ao facto de a sua equipa conseguir adiantar-se no marcador jogando em casa contra o rival dos rivais. 

Choveram críticas e os reparos mais contundentes choveram, precisamente, do lado dos adeptos portistas que não perdoaram ao seu treinador a insensatez das comemorações tendo em conta o inapelável resultado final. 

Quase um mês passado sobre a data desse clássico começam agora os adeptos do futebol – portistas, benfiquistas e das demais cores – a dar razão a Espírito Santo e a considerar como plenamente justificada toda aquela festa, aquela correria, aquele esbracejar e os concomitantes agradecimentos ao Altíssimo que, lá de cima como é seu timbre, o presenteou com um meio-frango do impecável Ederson, coisa rara de se ver. 

É que depois desse golo de Diogo Jota já lá vão 430’ sem que o FC Porto de Nuno Espírito Santo consiga marcar um golo a quem quer que seja. Passaram 40’ do resto do jogo com o Benfica mais 120’ com o Chaves mais 90’ com os dinamarqueses e, finalmente, mais 180’ de dois jogos com o Belenenses e… nada. Sete horas sem acertar com a baliza justificam a alegria esfusiante de um treinador pelo último golo que teve o privilégio de celebrar. Até parecia que estava a adivinhar… 

Preparem-se porque vem aí o campeonato dos atacadores 
Garantem fontes estabelecidas ao mais alto nível na indústria do futebol que, este ano, o "jogo da mala" começou mais cedo. Ainda não estamos no Natal e já há notícias de que os adversários do Benfica terão aliciantes monetários por cada ponto que consigam roubar ao tricampeão nacional com o intuito de não lhe permitir que chegue ao tetra que, como se compreende, seria francamente doloroso para os supostos maleiros de serviço. 

O Moreirense foi o último adversário do Benfica e o seu presidente desmentiu perentoriamente que os seus jogadores tivessem prémios monetários alheios para travar a equipa de Rui Vitória. E, de facto, foi isso mesmo que se viu em campo. Os visitantes fizeram o seu jogo natural, perderam por 3-0 e o único esforço detetável de antijogo que se lhes pode apontar foi o de passarem mais tempo a apertar os atacadores das chuteiras do que a atacar o Benfica à saída da sua área. Também é verdade que quem não tem cão caça com gato. Mas caça pouco.

Fonte : Leonor Pinhão @ correio da manha

quarta-feira, novembro 30, 2016

Justiça para Totós

Cristina Ferreira atreveu-se a denunciar um caso de assédio sexual e foi justamente castigada por gente possuidora de páginas no feicebuque. Entre os argumentos desses cidadãos encontravam-se os seguintes (aqui vertidos após terem sido expurgados dos erros ortográficos, mas mantendo a dignidade e o sentido de justiça originais): “como se tu não gostasses de ser assediada”, “porca”, “só assim é que conseguiste subir na carreira” e “peixeira”. Regista-se com agrado esta nova e refrescante perspectiva sobre o sistema judicial. Antigamente, as pessoas, denotando uma falta de imaginação bastante aborrecida, condenavam o criminoso e compadeciam-se da vítima. O caso de Manuel Palito, vitoriado à entrada do tribunal depois de ter matado duas mulheres e baleado outras tantas, talvez tenha sido o primeiro indício desta nova e fresca abordagem ao conceito de justiça, que entende a vítima como uma pessoa que, no essencial, é sonsa, e o criminoso como alguém que, tendo lá as suas idiossincrasias, acaba por, fundamentalmente, ter azar com as companhias (por exemplo, quando trava conhecimento com a vítima).

Gostaria de contribuir para a punição de futuras vítimas – sobretudo aquelas que, como Cristina Ferreira, sejam bem-sucedidas na sua vida profissional, que é o tipo de vítima mais abjecto. Por exemplo, da próxima vez que um actor famoso contrair cancro, recomendo as seguintes observações: “tu queres é aparecer”, “este agora diz que está doente mas uma vez na novela também morreu e depois já andava outra vez por aí todo pimpão. Deve ser treta novamente”, e “força, linfoma”.
Se uma cantora for esfaqueada, sugiro intervenções deste género: “o teu abdómen sempre me irritou”, “esta besta é capaz de ter entortado a faca ao homem com um rim”, e “uma vez vi-a na rua e ela disse-me assim: bom dia, como está? Mesmo estúpida”.

Quando um futebolista for vítima de burla, talvez se justifiquem estes comentários: “não gostavas de fintas? Então cala-te”, “xupa, é bem feita por çeres um ingnorante que çó çabe dar pontapés na bola”, e “ganham balúrdios e depois ainda querem ficar com o dinheiro que ganharam com o seu esforço. Que lata”.

Talvez assim estas alegadas vítimas aprendam a comportar-se decentemente, em vez de persistirem em fazer todas aquelas coisas que nos enervam. Como respirar, por exemplo.


Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ Visão

domingo, novembro 27, 2016

O juízo e o comer

Farão lindamente Benfica e Porto em não se verem já no papel de apurados para os oitavos-de final da Liga dos Campeões. É questão de ter juízo. O juízo que, por exemplo, faltou ao Benfica naquela meia-hora final, mais pateta do que patética, de Istambul. E haverá sempre a Liga Europa, é verdade, se falharem as decisões com o Nápoles e com o Leicester. O responsável máximo pelas finanças do Benfica disse esta semana que 'nem os clubes portugueses ligam à Liga Europa' mas fez mal em dizê-lo quando há reais probabilidades de ser esse o seu destino. Por sua vez, o treinador do Sporting disse que vê o Sporting com 'condições para fazer uma Liga Europa muito bonita' mas fez mal em dizê-lo porque o Sporting, ao contrário do Benfica e do Porto, para se qualificar para a Liga Europa ainda tem pela frente aquele pormenorzinho do jogo em Varsóvia.

O Porto vive uma crise de concretização. Tem dificuldades em marcar golos que não chega para pôr em causa o talento dos seus jovens avançados portugueses nem o acerto da construção da equipa. Já os goleadores do Porto que andam emprestados estão fartos de marcar golos. Aboubakar marcou ao Benfica em Istambul e Marega marcou ao Sporting em Guimarães. É caso para se dizer que o Porto está a trabalhar muito bem por fora.

Como castigo por não terem sabido resolver as suas questões a tempo em grupos sem papões, Benfica e Porto têm de começar a olhar para a hipótese da Liga Europa com estima e consideração. Não é o fim do Mundo ainda que a Liga dos Campeões seja, de facto, outra louça. Em função do que os três grandes portugueses viveram até aqui na Europa será ao Sporting que a Liga dos Campeões faz mais falta. Por causa do dinheiro? Não. Por causa do 'comer' com Florentino Pérez? Muito menos. Por causa dos comunicados? Sim, absolutamente.

Não houve dia de jogo importante do Sporting nesta fase de grupos que não tivesse a ofuscá-lo a pertinente concorrência de alocuções presidenciais. Na véspera do desafio com o Dortmund em Alvalade houve ocasião para vincar, em conferência de imprensa, que 'o Sporting não é da Segunda Circular, é do Campo Grande', na tarde do jogo de Dortmund foi oportuno classificar a oposição interna como 'híbridos telecomandados a partir de Carnide' e a poucas horas deste último jogo com o Real Madrid houve o anúncio da recomposição do capital social da SAD. 

Até parece de propósito.

Fonte: Leonor Pinhão @ record

sábado, novembro 26, 2016

A Europa e a 2ª Circular

A Europa a que pertencemos tem o condão de nos elevar das discussões rasteiras de cuspo e de alguidar para outras de maior dimensão intelectual que até nos obrigam a fazer não só análises históricas como a fazer também, mais difícil ainda, contas de somar e de subtrair sem recurso a maquinaria pesada. Observem-se os casos das prestações dos dois rivais da cidade de Lisboa na recente jornada da Liga dos Campeões. Um deles perdeu e o outro empatou. Curiosamente, tem-se vindo a revelar nas discussões generalizadas após os dois encontros que são bem mais cruéis os adeptos do Benfica para a sua equipa face ao empate na Turquia do que os do Sporting face à derrota em Alvalade. 

Enquanto os sportinguistas celebram vibrantemente a quarta derrota no Grupo a que pertencem, já os benfiquistas destratam sem piedade o seu treinador, jogadores e demais pessoal auxiliar pelo solitário pontinho que trouxeram do campo do Besiktas. A arte de transformar derrotas em vitórias e a não menos exclusiva arte de transformar empates em derrotas vão de vento em popa na Segunda Circular. Mas são, sem dúvida, sem cabimento todas as conclusões avançadas antes da jornada final desta fase de grupos que tudo vai decidir com tristeza para uns e alegria para outros. Ou com alegria para todos. Ou antes pelo contrário, o que também não é nada inverosímil face à complexidade das circunstâncias. 

Compreende-se, sem rebuço, a alegria nas bancadas de Alvalade perante mais uma derrota tangencial contra os campeões europeus de clubes. Comparando, por exemplo, a produção da sua equipa com a do poderoso At. Madrid que, ainda no último sábado, se viu goleado em casa pelo mesmo adversário, muito fez o Sporting na terça-feira passada. 

O que desgosta o Benfica e os benfiquistas é também um problema de comparação. Enquanto o Sporting se mede com o At. Madrid e sorri, o Benfica compara a absolutamente ridícula marcha do marcador da sua viagem à Turquia com a absolutamente ridícula marcha do marcador da última viagem do Sporting a Guimarães e não consegue deixar de encontrar uma similitude altamente embaraçante. 

Dizem os benfiquistas mais fiéis e empedernidos que é menos patético consentir 3 golos e o empate em 32 minutos, como lhes aconteceu em Istambul, do que permitir 3 golos e o empate em 17 minutos, tal como aconteceu aos rivais no Berço da Nacionalidade. E até fazem contas. Como 32 minutos menos 17 é igual a 15, foi um quarto de hora menos burlesco o nosso 3-3 do que o 3-3 alheio. Lindo consolo para quem não arrumou o assunto como lhe competia. 


Vieram de Espanha as últimas notícias do universo paralelo  
A Real Madrid TV assinou uma interessante reportagem sobre o regresso de Cristiano Ronaldo a  Alvalade – onde, na realidade, só fez um jogo na sua carreira com a camisola do Sporting – e, uma vez mais, não houve quem não ficasse surpreendido com as peculiaridades do mundo especial, muito especial mesmo, que se reflete nos sempre buliçosos corredores do referido recinto desportivo. 

Como se não bastassem os 4 títulos de campeão nacional que Bruno de Carvalho, sozinho, conquistou na década de 20 do século passado, há mais um título levado de vencida, o da época passada ao que parece, e celebrado num oportuno mural: "Saúda o Campeão!" grita a felicíssima parede para um Cristiano Ronaldo que, de tão espantado que ficou, nunca conseguiria entrar plenamente em jogo na noite da última terça-feira. 

Teve de vir a Real Madrid TV a Portugal para conhecermos as últimas notícias daquele universo paralelo onde todos os dias progride um Sporting vagamente desconhecido na nossa dimensão.


Fonte: Leonor Pinhão @ correio da manha

quinta-feira, novembro 24, 2016

O poder do humor é não ter poder nenhum

Já sei, o título tem uma dupla negativa. Desculpem. Como esta é a última vez que vou falar nisto, resolvi fazer umas repetições enfáticas. Queria dizer duas ou três coisas mais sobre o famoso poder do humor e depois calar-me, que é das poucas actividades para as quais tenho verdadeiro talento. 
Muitas pessoas consideram que o humor é uma arma poderosíssima, por exemplo no sentido em que pode influenciar decisivamente referendos e eleições. Essa convicção não se baseia em factos, mas numa sensação. Pelos vistos, o humor tem o poder de convencer algumas pessoas de que tem verdadeiro poder. Entre essa gente crédula contam-se, por exemplo, ditadores, que o temem a ponto de o proibir. Parece que, na Alemanha nazi, havia tribunais especiais para julgar os cidadãos que chamassem Adolfo ao seu cavalo. Se tivesse assistido às eleições americanas, talvez Hitler ponderasse a introdução de algumas modificações neste capítulo do código penal. 
O candidato mais violentamente escarnecido da história da sátira política foi eleito presidente dos Estados Unidos. Nada mau, como documento do poder do humor.

É possível que os jornalistas tenham finalmente concluído que as notícias acerca do poder do humor eram um pouco exageradas, mas há que não menosprezar outro poder: o da negação. Em Março deste ano, a revista Bustle publicou um artigo chamado “Como Donald Drumpf e o Efeito John Oliver já influenciaram a eleição presidencial.” O texto falava sobre uma emissão do programa do humorista John Oliver integralmente dedicada a Donald Trump. Oliver descobrira que os antepassados de Trump se chamavam, na verdade, Drumpf, um nome com muito menos encanto do que Trump, e decidiu lançar o movimento “Make Donald Drumpf Again”, para destruir o poder de sedução do milionário. A Bustle vaticinava que o “Efeito John Oliver” (uma expressão que, aliás, havia sido cunhada pela revista Time) podia ser “aquilo que finalmente ajudaria a fazer com que o até ali indestrutível Donald Trump descesse nas sondagens”. Num artigo do mesmo género, a revista Fortune (que, em Novembro de 2015, já tinha publicado uma peça intitulada “Porque é que o impacto de John Oliver não é brincadeira”), noticiava que a linha de bonés com o lema “Make Donald Drumpf Again”, criada por Oliver, tinha esgotado. E o New York Times informava ainda que a echetégue (julgo que é assim que se escreve) #MakeDonaldDrumpfAgain tinha batido recordes nas redes sociais. Além disso, uma aplicação para transformar todas as ocorrências cibernéticas do nome Trump em Drumpf tinha sido descarregada cerca de meio milhão de vezes. Oito meses depois, Trump ganhou o direito a ir para a Casa Branca – onde, com repouso e muita ingestão de canja, talvez consiga recuperar dos graves danos causados por toda esta sátira.

Quero com isto dizer que o humor não serve para nada? Sim. É isso mesmo que quero dizer. Uma vassoura, um automóvel, um partido político, têm serventia. O humor faz parte daquele grupo de coisas muito importantes que não servem para nada. Como o amor, por exemplo.


Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ Visão

sábado, novembro 19, 2016

Antecâmara das irradiações

Foi justamente castigado com dois meses de suspensão o presidente do Benfica por ter dito, a cores e ao vivo, a um dirigente da arbitragem nacional “é uma vergonha, como é que nomeiam este tipo?” referindo-se à atuação, mais do que à nomeação, de um determinado árbitro, cujo nome não vem para o caso, no jogo entre o Benfica e o Vitória de Setúbal a contar para a segunda jornada do campeonato nacional em curso.

O Benfica tinha acabado de empatar na Luz com a valorosa equipa sadina – sobre isso não há dúvidas – e Luís Filipe Vieira, porventura agastado com o facto de o golo dos visitantes ter sido irregular, entendeu pedir satisfações ao responsável da arbitragem que estava mais à mão de semear. Fez mal o presidente do Benfica em dizer o que disse porque sendo presidente não é um adepto comum a quem, como postulou um famosíssimo filósofo cubano, tudo se admite porque o futebol é o ópio do povo.

Estes dois meses de suspensão, decretados em boa e rápida hora pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, vão impedir o presidente do Benfica de sentar-se no “banco” (o que não é seu hábito), de interferir publicamente com opiniões sobre as ocorrências da bola (o que não é seu hábito) e de representar oficialmente o Benfica em cerimónias civis e religiosas (o que também não é seu hábito, graças a Deus).

Assim sendo, está visto que este merecido castigo ao presidente do Benfica – porque se trata de uma punição que nenhum benfiquista com dois dedos de testa se atreverá a contestar – não passa da iminente antecâmara das irradiações que o mesmo fulminante Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol se prepara para decretar em função dos gravíssimos desacatos públicos que responsáveis de agremiações como o popular Canelas, o popular Arouca e ainda outros bem menos populares e bem mais eminentes têm protagonizado em prol da verdade desportiva.

Dizem os jornais que o Benfica vai recorrer da decisão disciplinar que atingiu o seu presidente por ter dito, repita-se as vezes que forem necessárias até fazer jurisprudência, ““é uma vergonha, como é que nomeiam este tipo?”. Mas recorrer para quê? Respeitando todas as opiniões, é enorme erro do Benfica contestar a suspensão de Luís Filipe Vieira. São só dois meses, caramba, não é vergonha nenhuma! É apenas o mote para o que vem aí. Ou não é?


Fonte: Leonor Pinhão @ record


À esquina em hora de ponta

Do ponto de vista do benfiquismo olímpico, o mais puro e desinteressado, toda esta cegarrega da troca de galhardetes entre os presidentes do Sporting e do Arouca serviu apenas para desviar as atenções do que realmente de grave e inaudito aconteceu no decorrer do último jogo entre os dois emblemas. Foi ao minuto 9 quando João Pereira, no esforço de lançar a bola da linha lateral, entrou abusivamente em campo resultando desta ilegalidade o primeiro golo dos anfitriões. Trata-se de uma especialidade do veterano lateral do Sporting. 

Na época passada foi também assim que levou a sua equipa à vitória em Tondela. Retiro, portanto, o "inaudito" porque de inaudito não teve nada este episódio do lançamento da bola não tão lateral quanto o querem fazer parecer tendo em conta que a autoridade presente em campo – Carlos Xistra com o Tondela e de novo Carlos Xistra em Alvalade – entendeu ser tudo conforme as regras. 

Para que ninguém em todo o Portugal comentasse no recato dos lares ou no espavento dos estúdios de televisão mais esta atroz ilegalidade de João Pereira validada pelo juiz da partida entenderam os responsáveis dos serviços de inteligência que a melhor distração seria facultar ao público o filmezinho mudo do casual encontro entre os Pinhos e os Carvalhos num corredor de Alvalade que mais fazia lembrar, diga-se com franqueza, uma esquina do Bairro Alto em hora de ponta, naturalmente. Ao natural bulício daquele fatal cruzamento "indoor" só faltou mesmo um vendedor de castanhas mais a carripana com o seu velho fornozinho de lata a fumegar para baixo. 

Viu-se assim um país, que se quer moderno e civilizado à Europeia, obrigado sem remissão a discutir a composição química do material expelido pelo presidente do Sporting na direção do seu congénere arouquense como se uma coisa dessas tivesse, de facto, qualquer espécie de interesse social ou científico para o futuro de todos nós em geral e do desporto-rei em particular. Não, não tem importância alguma este "fait divers" difundido com o intuito de desviar as atenções do escândalo que foi o primeiro golo sofrido pelo Arouca na sua visita a Alvalade. E com sucesso porque ninguém mais falou no assunto, pudera. 

Como se tudo isto não bastasse, o Arouca volta a Alvalade daqui a uma semana e meia para a Taça da Liga. A CNN, a SKY News, a TVE, que até deixou de transmitir touradas, a RAI e a Al Jazeera já solicitaram credenciais. Não para garantirem transmissão do jogo mas para assegurarem os "diretos" do corredor mais famoso do mundo da bola. É a guerra global das audiências que só honra o país dos campeões da Europa. 


Por pouco ou nada chinês que seja o tal filósofo chinês   
Por muito pouco – ou nada – chinês que seja o tal "filósofo chinês" que Jorge Jesus citou de cor na sua alocução à imprensa antes do jogo com o Praiense a contar para a Taça de Portugal, é da mais elementar justiça reconhecer ao treinador da equipa de futebol de Alvalade o indisputado estatuto de elemento mais e melhor qualificado na atual "estrutura" leonina e também o de cidadão mais pacato e avesso a polémicas que subsiste na mesmíssima organização. 

Quando, recentemente, Jorge Jesus se referiu em público aos méritos da "estrutura invisível" do Sporting fê-lo com conhecimento de causa e, certamente, com uma pontinha de revolta amplamente justificada. Num lugar em que tudo é que não é futebol é absurdamente "visível", o treinador fez por relevar a invisibilidade do dia a dia de trabalho dos profissionais de Alvalade num momento em que, na realidade, o futebol propriamente dito parece não merecer a importância devida à atividade fulcral do clube. Isto não é fácil.


Fonte: Leonor Pinhão @ correio da manha

sábado, novembro 12, 2016

Um canto não é um penálti

Através das redes sociais, está em curso uma perseguição sem tréguas a um jogador de futebol, um cidadão mexicano que trabalha no nosso país. Convém alertar para o facto de que os ímpetos e as discussões nas redes sociais neste século XXI estão para a real notoriedade de qualquer assunto como estavam as tabernas nos séculos passados. A única diferença – e bem trágica, por sinal – é que, antes da revolução tecnológica, quando alguém afirmava "ouvi agora à porta da taberna…" não se dava a menor importância ao dislate. Fosse qual fosse o assunto, cabia-lhe ser remetido para o patamar das vulgaridades irrepetíveis nos salões. 

No tempo presente, não é bem assim que as coisas se passam. Um insulto anónimo, uma insinuação torpe, um perfil falso numa rede social têm peso suficiente para justificar horas de debates em estações de televisão, porque o espírito por definição impune da taberna conquistou o espaço outrora destinado à discussão qualificada. 

A mais recente vítima deste chavascal é o pobre do Herrera, jogador do Porto, porque nos instantes finais do jogo com o Benfica cedeu, um tanto ou quanto disparatadamente, um pontapé de canto de que haveria de resultar o golo com que os tricampeões nacionais selaram um empate que muito desgostou os seus rivais. Esta gente que triunfa todos os dias no Facebook e afins trata agora os pontapés de canto como se fossem penáltis ou, pior ainda, vergonhosos autogolos concedidos para envergonhar as pedrinhas da calçada. No último clássico, o Benfica terá beneficiado de uma meia dúzia de pontapés de canto, cedidos sempre por jogadores adversários, como é das regras do jogo, que não deram em nada, pelo que não houve culpados nem cidadãos a abater online, mas, para desgraça de Herrera, foi do seu alívio desastrado que acabou por surgir o golo do Benfica quando já não havia tempo para recuperar. 

E, por isto, é perseguido pela turba e não há membro da sua família que escape à fúria dos internautas mais ou menos anónimos. No entanto, passada quase uma semana sobre o infausto acontecimento, Nuno Espírito Santo já fez certamente o que tinha a fazer no balneário portista para salvar Herrera e o espírito de grupo. Desenrolou a larga folha imaculada daquele quadro de mestre-escola com que presenteou o País com uma lição de alta psicologia e, sem parar de desenhar, explicou aos jogadores: em primeiro lugar, um canto não é um penálti e, em segundo lugar, um treinador que faz três substituições para o gozo e os aplausos da multidão quando o resultado é apenas tangencial corre sérios riscos de se ver desfeiteado pelos imponderáveis desta vida. É que o Herrera tem orelhas grandes mas não são de burro.


Fonte: Leonor Pinhão @ correio da manha

sexta-feira, novembro 11, 2016

O tom ufano

Tinha planeado escrever esta semana sobre o livro O Dom Profano mas, por motivos alheios à minha vontade (designadamente, o facto de a obra ser mesmo chata), não me foi possível concluir a leitura. Posso apenas, baseado no pouco que li, resumir em duas ou três palavras o espírito do livro: para José Sócrates, o carisma é um conceito que realmente se reveste de certos aspectos, sobretudo na medida em que. Em traços gerais, é isto. Apesar do que fica dito, dediquei alguma atenção ao livro, e estou preparado para fazer uma recensão crítica bastante profunda da capa, da contracapa, da badana e da dedicatória, que aliás se lêem muito bem.

Em primeiro lugar, deve assinalar-se o seguinte: o livro é cinzento. Um tom suave e agradável, que foi bem escolhido. As obras deste autor costumam ser consumidas em grandes quantidades, pelo que é ajuizado escolher uma cor que combine com vários estilos de decoração de interiores. Uma estante com duzentas ou trezentas lombadas de O Dom Profano contribuirá para criar em sua casa um recanto com um ambiente descontraído mas elegante, sofisticado mas acolhedor, como só o cinzento consegue proporcionar.

Não pode deixar de se referir, também, que esta é uma obra ousada, que contém afirmações arrojadas e contrárias ao senso comum. Por exemplo, a badana indica que, e cito, José Sócrates “é licenciado em Engenharia Civil”. E acrescenta que “é autor do livro A Confiança no Mundo”. Declarações polémicas que abrem o apetite para a tese propriamente dita, sugerindo que também ela poderá estar cheia de revelações como estas, que nos fazem questionar as nossas convicções. Ainda na badana, deve salientar-se a fotografia do autor que, sentado confortavelmente, sorri, descontraído, de colarinho aberto, mirando um ponto ao lado da câmara, com uma mão esquecida ao lado de uma das orelhas. Trata-se de uma foto que diz: “Carisma é isto. Estou aqui todo pimpão, em mangas de camisa, e sem olhar para vocês, mortais desprovidos de qualquer espécie de magnetismo. Já reflecti maduramente sobre grandes temas da filosofia política e agora encontro-me a relaxar.”

Quanto às dedicatórias, chama a atenção sobretudo a terceira, que diz: “À Lígia, que ficou.” Parece-nos uma distinção injusta porque, na nossa opinião, a Lígia não foi a única que ficou. Algumas outras também ficaram. Ficaram estarrecidas, repugnadas, furiosas. Mas todas ficaram qualquer coisa.

A contracapa é um dos momentos altos da obra. Sócrates começa por referir que, nos anos 80, Vítor Constâncio, então líder do Partido Socialista, lhe recomendara a leitura de um livro de Max Weber. “Comprei-o no dia seguinte”, revela o ex-primeiro-ministro, indicando que, naquele tempo, quando desejava ter uma coisa, comprava-a, em lugar de a pedir emprestada a um amigo. Também aqui é possível apreciar a evolução do pensamento do autor. Após a leitura do livro, diz Sócrates: “Recordo a impressão que me causou e o que era novo para mim – (…) liderança carismática.” Uma vez que, naquela altura, o líder do partido de Sócrates era Vítor Constâncio, é natural que o conceito de “liderança carismática” fosse completamente novo para ele. Por fim, Sócrates diz que “nas suas linhas gerais, este livro foi esboçado na prisão”. Esta informação reforça uma ideia preocupante sobre o sistema prisional: o presídio não contribui para reabilitar o recluso, antes pelo contrário. A permanência na prisão só acentua os comportamentos anteriores. É esse o caso, aqui: Sócrates já tinha perpetrado um livro antes de ser preso. Depois de sair, comete nova obra. Um facto que merece reflexão urgente.


Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ Visão

RIP - Leonard Cohen (1934/09/21 - 2016/11/10)



Dance me to your beauty with a burning violin
Dance me through the panic 'til I'm gathered safely in
Lift me like an olive branch and be my homeward dove
Dance me to the end of love
Dance me to the end of love

Oh, let me see your beauty when the witnesses are gone
Let me feel you moving like they do in Babylon
Show me slowly what I only know the limits of
Dance me to the end of love
Dance me to the end of love

Dance me to the wedding now, dance me on and on
Dance me very tenderly and dance me very long
We're both of us beneath our love, we're both of us above
Dance me to the end of love
Dance me to the end of love

Dance me to the children who are asking to be born
Dance me through the curtains that our kisses have outworn
Raise a tent of shelter now, though every thread is torn
Dance me to the end of love

Dance me to your beauty with a burning violin
Dance me through the panic till I'm gathered safely in
Touch me with your naked hand or touch me with your glove
Dance me to the end of love
Dance me to the end of love
Dance me to the end of love


Musica : "Dance Me to the End of Love"
Interprete: Leonard Coehn

domingo, novembro 06, 2016

Lá vai o golfe regressar

"Ódio eterno!" Foi este o apelo institucional do líder dos Super Dragões no aparentemente pacato decorrer desta semana que antecede o jogo Porto-Benfica. Contem, portanto, os jogadores do Benfica com mau tempo para amanhã. Vai chover. Mas não água a cair do céu. Trata-se de outro fenómeno meteorológico, o do regresso da chuva de bolas de golfe. 

"Guerra é guerra", insistiu o líder da claque. Ficaram assim a saber os jogadores, técnicos e roupeiros do Benfica que à chegada ao balneário que lhes estará destinado irão confrontar-se com a impossibilidade de transpor a porta, outro fenómeno que andava desaparecido há um quarto de século. 

Aguarda-os a histórica fórmula composta por 50% de formol e 50% de aguarrás que produzirá pestilência bastante para obrigar os campeões nacionais a equiparem-se nos corredores, sob pena de um desmaio coletivo antes do ansiado momento da entrada em campo. 

"Enquanto formos bons rapazes, seremos sempre comidos." Persistiu o líder da claque e "capitão" do fabuloso Canelas. Prepare-se o presidente do Benfica para abandonar o recinto desportivo agachado no interior de uma prestável ambulância que o deixará, intacto espera-se, na estação das Devesas ou, se a coisa embravecer ainda mais, na estação de serviço de Antuã na A1. Depois que siga toda essa comitiva de beduínos a penates até à capital da Mouraria, o horroroso centro infecto do macrocefalismo lisboeta que urge fazer arder. 

"Futebol não é ballet!", exclamou o líder da claque a propósito das críticas maldosas e infundadas ao seu Canelas. No fundo, trata-se tão simplesmente de uma mensagem sub-reptícia para aquela desgraçada miniatura de jogador argentino que dá pelo nome de Franco Cervi. Que não te atrevas, pequeno Cervi, a calçar as sapatilhas e a jogar em pontas no palco do Dragão, que não te atrevas a insistir naquelas piruetas em meio metro quadrado com que, ainda na terça-feira, confundiste uma quantidade de ucranianos. Se fizeres isso, ou coisas parecidas, serás sugado por um raio vindo do céu e nunca mais ninguém te põe a vista em cima. 

"Estes roubos têm de acabar!" Explicou o líder da claque ao árbitro que vai estar em campo condicionadíssimo por esta sede de justiça que aflige o progresso. Pobre árbitro e ainda mais pobre serás se, logo nos primeiros 30 minutos, não desenrascares os oito reclamados penáltis que estão em falta para que os grandes problemas do nosso mundo acabem, tendo em conta que até o secretário-geral da ONU é um lampião que não engana. Oh, valha-nos Deus! 



O que Salvio empresta ao Benfica já rendeu uns milhões este ano 
A maior surpresa deste arranque do Benfica não é o facto de a equipa ter sobrevivido a uma impressionante vaga de lesões, não é o talento de Cervi nem é a eficiência de Pizzi, que joga onde o mandam jogar, exibindo uma capacidade de adaptação digna de elogios. 

A surpresa maior é o regresso de Eduardo Salvio a uma condição de excelência que iguala a dos seus mais produtivos momentos ao serviço da equipa que representa há coisa de meia dúzia de anos. Salvio sofreu uma lesão muito grave no último jogo de 2014/2015 e passou a temporada seguinte, a última, a recuperar e a ver de longe os companheiros em ação. 

Os minutos de jogo que o Vitória lhe concedeu no fim da época passada somados aos bisonhos minutos de jogo que o argentino foi somando nesta pré-temporada não faziam prever que Salvio voltasse a ser o que era: um jogador de elite. Feliz a hora em que no Benfica não o vendeu nem o emprestou a ninguém, porque só o que ele empresta à equipa já rendeu uns milhões este ano.


Fonte: Leonor Pinhão @ correio da manha

sexta-feira, novembro 04, 2016

Era eu menino e moço quando a juventude apareceu

Por ter nascido nos anos 70, nunca tive mocidade. No meu tempo, usava-se juventude. Já ninguém era moço há anos, e ainda não havia teenagers – excepto, talvez, no estrangeiro. Aconteceu à palavra mocidade o mesmo que às pessoas que costumava designar: envelheceu. Eu, que desconfio da sinonímia, acredito que tem de haver uma diferença, por ligeira que seja, entre mocidade e juventude. Talvez tenha sucedido o mesmo à meninice, que foi substituída, mais ou menos na mesma altura, pela infância. Antigamente havia, aliás, algumas pessoas, referidas tanto por Bernardim Ribeiro como por Carlos do Carmo, que eram designadas pela expressão “menina e moça”. Supõe-se que ser menina seja diferente de ser moça, e no entanto há registos de quem conseguisse sê-lo em simultâneo, embora apenas no momento de serem levadas de casa de seus pais, ou quando se encontram sob a luz que os meus olhos vêem, tão pura.

Talvez eu tenha experimentado, de forma relativamente humilhante (que é o ambiente em que as minhas experiências costumam, em geral, decorrer), a exacta distância entre a mocidade e a juventude. Estava a ler um livro que havia em casa dos meus pais (se eu tivesse tido mocidade diria, respeitosamente, “de meus pais”; o uso do artigo definido é uma ousadia da juventude), chamado “Histórias para gente moça”. Um dos textos era um conto de António Botto sobre um casal que acabara de ter um filho. O gato da família parecia sentir ciúmes do bebé, mas isso era mais divertido do que preocupante. Um dia, a mãe encheu uma panela de água a ferver para ir lavar roupa e, quando se dirigia para o tanque, viu o gato, que saía do quarto do bebé, lambendo os beiços ensanguentados. A mulher atirou a panela ao gato e precipitou-se para o quarto, onde o bebé dormia tranquilamente. No chão, junto ao berço, estava uma cobra morta. Atormentada pelo remorso, a mulher tomou o gato nos braços e enterrou-o no jardim. Pouco tempo depois, nascia ali mesmo uma linda roseira.

Mesmo tocado pela bravura do gato e pelo injusto julgamento precipitado da mãe, comentei com os meus pais que o bicho não era, ainda assim, totalmente inocente, uma vez que, como ficara claro no fim, tinha engolido, por maldade, dois ou três bolbos de rosa, que a senhora estava decerto a guardar para a primavera. Os meus pais disseram que a minha interpretação do texto revelava, sem margem para dúvidas, que eu era um idiota. E assim se tornou evidente que a mocidade, a que os meus pais haviam pertencido, era dada a misticismos e acreditava no perdão; e a juventude era cínica e atenta à perfídia do mundo. Ou idiota, que vai mais ou menos dar ao mesmo.


Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ Visão


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