quarta-feira, novembro 30, 2016

Justiça para Totós

Cristina Ferreira atreveu-se a denunciar um caso de assédio sexual e foi justamente castigada por gente possuidora de páginas no feicebuque. Entre os argumentos desses cidadãos encontravam-se os seguintes (aqui vertidos após terem sido expurgados dos erros ortográficos, mas mantendo a dignidade e o sentido de justiça originais): “como se tu não gostasses de ser assediada”, “porca”, “só assim é que conseguiste subir na carreira” e “peixeira”. Regista-se com agrado esta nova e refrescante perspectiva sobre o sistema judicial. Antigamente, as pessoas, denotando uma falta de imaginação bastante aborrecida, condenavam o criminoso e compadeciam-se da vítima. O caso de Manuel Palito, vitoriado à entrada do tribunal depois de ter matado duas mulheres e baleado outras tantas, talvez tenha sido o primeiro indício desta nova e fresca abordagem ao conceito de justiça, que entende a vítima como uma pessoa que, no essencial, é sonsa, e o criminoso como alguém que, tendo lá as suas idiossincrasias, acaba por, fundamentalmente, ter azar com as companhias (por exemplo, quando trava conhecimento com a vítima).

Gostaria de contribuir para a punição de futuras vítimas – sobretudo aquelas que, como Cristina Ferreira, sejam bem-sucedidas na sua vida profissional, que é o tipo de vítima mais abjecto. Por exemplo, da próxima vez que um actor famoso contrair cancro, recomendo as seguintes observações: “tu queres é aparecer”, “este agora diz que está doente mas uma vez na novela também morreu e depois já andava outra vez por aí todo pimpão. Deve ser treta novamente”, e “força, linfoma”.
Se uma cantora for esfaqueada, sugiro intervenções deste género: “o teu abdómen sempre me irritou”, “esta besta é capaz de ter entortado a faca ao homem com um rim”, e “uma vez vi-a na rua e ela disse-me assim: bom dia, como está? Mesmo estúpida”.

Quando um futebolista for vítima de burla, talvez se justifiquem estes comentários: “não gostavas de fintas? Então cala-te”, “xupa, é bem feita por çeres um ingnorante que çó çabe dar pontapés na bola”, e “ganham balúrdios e depois ainda querem ficar com o dinheiro que ganharam com o seu esforço. Que lata”.

Talvez assim estas alegadas vítimas aprendam a comportar-se decentemente, em vez de persistirem em fazer todas aquelas coisas que nos enervam. Como respirar, por exemplo.


Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ Visão

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