quinta-feira, novembro 24, 2016

O poder do humor é não ter poder nenhum

Já sei, o título tem uma dupla negativa. Desculpem. Como esta é a última vez que vou falar nisto, resolvi fazer umas repetições enfáticas. Queria dizer duas ou três coisas mais sobre o famoso poder do humor e depois calar-me, que é das poucas actividades para as quais tenho verdadeiro talento. 
Muitas pessoas consideram que o humor é uma arma poderosíssima, por exemplo no sentido em que pode influenciar decisivamente referendos e eleições. Essa convicção não se baseia em factos, mas numa sensação. Pelos vistos, o humor tem o poder de convencer algumas pessoas de que tem verdadeiro poder. Entre essa gente crédula contam-se, por exemplo, ditadores, que o temem a ponto de o proibir. Parece que, na Alemanha nazi, havia tribunais especiais para julgar os cidadãos que chamassem Adolfo ao seu cavalo. Se tivesse assistido às eleições americanas, talvez Hitler ponderasse a introdução de algumas modificações neste capítulo do código penal. 
O candidato mais violentamente escarnecido da história da sátira política foi eleito presidente dos Estados Unidos. Nada mau, como documento do poder do humor.

É possível que os jornalistas tenham finalmente concluído que as notícias acerca do poder do humor eram um pouco exageradas, mas há que não menosprezar outro poder: o da negação. Em Março deste ano, a revista Bustle publicou um artigo chamado “Como Donald Drumpf e o Efeito John Oliver já influenciaram a eleição presidencial.” O texto falava sobre uma emissão do programa do humorista John Oliver integralmente dedicada a Donald Trump. Oliver descobrira que os antepassados de Trump se chamavam, na verdade, Drumpf, um nome com muito menos encanto do que Trump, e decidiu lançar o movimento “Make Donald Drumpf Again”, para destruir o poder de sedução do milionário. A Bustle vaticinava que o “Efeito John Oliver” (uma expressão que, aliás, havia sido cunhada pela revista Time) podia ser “aquilo que finalmente ajudaria a fazer com que o até ali indestrutível Donald Trump descesse nas sondagens”. Num artigo do mesmo género, a revista Fortune (que, em Novembro de 2015, já tinha publicado uma peça intitulada “Porque é que o impacto de John Oliver não é brincadeira”), noticiava que a linha de bonés com o lema “Make Donald Drumpf Again”, criada por Oliver, tinha esgotado. E o New York Times informava ainda que a echetégue (julgo que é assim que se escreve) #MakeDonaldDrumpfAgain tinha batido recordes nas redes sociais. Além disso, uma aplicação para transformar todas as ocorrências cibernéticas do nome Trump em Drumpf tinha sido descarregada cerca de meio milhão de vezes. Oito meses depois, Trump ganhou o direito a ir para a Casa Branca – onde, com repouso e muita ingestão de canja, talvez consiga recuperar dos graves danos causados por toda esta sátira.

Quero com isto dizer que o humor não serve para nada? Sim. É isso mesmo que quero dizer. Uma vassoura, um automóvel, um partido político, têm serventia. O humor faz parte daquele grupo de coisas muito importantes que não servem para nada. Como o amor, por exemplo.


Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ Visão

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