terça-feira, fevereiro 28, 2017

Desvantagens de jogar em casa

Reconhecendo quanto a todos aborrece o debitar de opiniões sobre a vida dos nossos clubes por parte de gente adversária do mundo do audiovisual e com acesso à imprensa escrita, longe de mim mora a ideia de proferir o que quer que seja de considerações pessoais sobre o confronto eleitoral em curso no Sporting e sobre os perfis dos candidatos a concurso do outro lado da rua. Houve, no entanto, na noite desta quinta-feira um pormenor de carácter exclusivamente logístico sobre o qual será permitida a estranhos uma fugaz e nada abusiva reflexão. Tratou-se da escolha do palco para a transmissão do único debate da campanha e que, ao contrário de todas as previsões, se veio a revelar de modo uma escolha funesta para a legítima ânsia de unanimidade do presidente em exercício e, sobretudo, para o alimento do seu ego exuberante. O facto do debate ter acontecido na Sporting TV o que, à partida, sugeriria grossa vantagem para o poder instituído - a vantagem indiscutível de jogar em casa - e, principalmente, sugeriria uma grossíssima ingenuidade do seu concorrente - a ingenuidade de se colocar à mercê da oratória e dos meios técnicos do regime - transformou-se em duas horas e quase meia de torrencial desmerecimento da figura do presidente em exercício sob a égide oficial e sob o logótipo do canal do clube. Manietado pelo arremedo de uma pose de Estado que julgou bastante para um triunfo em toda a linha, porventura surpreendido pela ousadia do concorrente e pela notável imparcialidade do moderador - que foi muito mais um jornalista em serviço do que um funcionário ao serviço -, muito se deve ter arrependido o presidente em exercício de não ter preferido à sua Sporting TV, o estúdio neutro de uma SIC, de uma TVI, de uma RTP onde se sentiria totalmente liberto dos constrangimentos do protocolo que a si próprio impôs sem ter de passar pelo incómodo de se ver publicamente desconsiderado na sua própria casa. O presidente em exercício, tudo o indica, continuará a "brincar" com as câmaras da Sporting TV por mais quatro anos mas tão cedo não se vai esquecer do que teve que suportar em nome da louvável democracia, interna, essa malvada. 

Entretanto, o Benfica venceu ontem o Desportivo de Chaves que é a equipa-sensação da temporada ao ponto de ter afastado o Porto e o Sporting da Taça de Portugal. Ontem, jogando muito bem, não conseguiu afastar o Benfica do seu sonho. Mas deu uma trabalheira.


Fonte: Leonor Pinhão @ Record


sábado, fevereiro 25, 2017

Pequenos e geniais

Agora que foram atirados às feras e postos à prova nos grandes palcos volta a discutir-se os valores pelos quais o Benfica vendeu André Gomes e Bernardo Silva. Não foi há muito tempo. Cá pelo burgo, terra de invejosos, deram que falar os 15 milhões que Valência e Mónaco desembolsaram pelos respetivos serviços dos jovens excedentários do Benfica. Era muito dinheiro para tão pouca arte, gritava-se porque tudo no futebol português é, por norma, gritado para satisfação do nosso inquebrantável espírito latino e de taberna. 

Hoje, Gomes e Silva vivem momentos especiais das suas carreiras e a opinião pública e os cientistas das coisas da bola refazem as contas e os prognósticos lançados num passado recente quando as duas promessas do Benfica partiram para o estrangeiro no que mais parecia um exílio devido aos bons serviços do empresário Jorge Mendes do que uma aventura profissional destinada a assombrar a Europa. 

Volúveis como são todas as opiniões definitivas que se baseiam nos factos aleatórios de um jogo de futebol, chegou-se esta semana à conclusão de que o Benfica fez o seu melhor negócio de sempre ao vender Gomes ao Valência por uns inacreditáveis 15 milhões e fez o seu pior negócio de sempre ao vender Silva ao Mónaco por outros inacreditáveis 15 milhões. 

As notícias que nos chegam de André Gomes, vendido no último verão pelo Valência ao Barcelona por mais uns quantos, muitos, inacreditáveis milhões são uma lástima. André parece só contar para Luis Enrique, o seu treinador, como amigo e defensor. 

Ao contrário, Bernardo Silva conta não só com a rendição da imprensa, com a devoção incondicional dos adeptos monegascos e do próprio príncipe Alberto II mas ainda com a devoção do seu treinador e até dos treinadores adversários. Pep Guardiola, por exemplo, definiu-o como "fantástico" antes do jogo em Manchester e como "fabuloso" depois desse mesmo jogo. 

Quando o ainda mais jovem Bernardo Silva estava a chegar à equipa B do Benfica – e o seu nome estava longe de ser assunto de discussão nos fóruns nacionais e internacionais – cruzando-me com Fernando Chalana perguntei-lhe a sua opinião sobre o prometedor Silva. Chalana, a quem chamavam o ‘Pequeno Genial’, foi rápido na resposta: "É um pequeno Messi." Disse-o com um brilho nos olhos só ao alcance dos espíritos que não hesitam em reconhecer a grandeza alheia porque não têm nada a temer. E, pausadamente, repetiu: "É um pequeno Messi." Poderá parecer que esta croniqueta é uma homenagem ao Bernardo mas não é. É uma homenagem ao Fernando. 


É mais fácil recuperar um microfone do que os pontos perdidos 
A CMTV já recuperou o seu microfone roubado às portas do tribunal onde continuará a decorrer ao longo de meses, talvez de anos, o julgamento dos 54 arguidos da denominada Operação Fénix mas as vítimas da não menos espetacular Operação Fónix – oficialmente inaugurada no histórico instante em que alegados membros da claque Super Dragões ameaçaram de alegadas sevícias uns quantos alegados árbitros – continuam e vão continuar por toda a eternidade à espera de recuperar os pontos perdidos dentro das quatro linhas de um campo de futebol por obra e graça, suspeita-se, da retórica extraordinariamente persuasiva e convincente utilizada nessa não muito distante noite na Maia. 

O pessoal do Tondela não se capacita da sua falta de argumentos jurídicos para os protestos que, ousadamente, vem debitando desde que o seu último jogo, no Dragão, terminou. O treinador do Tondela, Pepa, diz que foi surreal. Ai Tondela, Tondela, não tarda muito e estarão na II Liga a bem do sossego geral. 



Fonte: Leonor Pinhão @ correio da manha


quinta-feira, fevereiro 23, 2017

Recordações da casa cor-de-rosa

Provavelmente por não ter melhores qualidades para assinalar, a Irmã Joaquina começava os meus relatórios escolares sempre com a mesma declaração: “O aluno é assíduo e pontual.” No seu novo livro de memórias, “Quinta-feira e outros dias”, Cavaco Silva usa um método parecido para avaliar ex-primeiros-ministros: Passos Coelho era pontual; Sócrates não. Em determinada ocasião, Sócrates atrasou-se tanto que Cavaco se recusou a recebê-lo – e, embora a obra o não refira, deve ter sido marcada falta a vermelho. Seria interessante investigar se Sócrates conseguiu obter um documento justificativo do atraso, devidamente assinado pelo seu encarregado de educação: uma consulta médica, a morte de um familiar ou até o clássico “o cão comeu-me o orçamento de Estado”. Infelizmente, o livro também é omisso em relação a essa matéria. Para reconstituir esta época, os historiadores do futuro terão de se contentar com as parcas (embora interessantes) informações que o cronómetro do antigo presidente registou. 
E, além disso, com uma confissão: Cavaco diz que, a partir de certa altura, começou a desconfiar de que Sócrates nem sempre dizia a verdade. Se os vindouros atribuírem cognomes aos presidentes, será justo que o antecessor de Marcelo fique conhecido como “Cavaco, o Perspicaz”.

O livro permite compreender que Cavaco é, sobretudo, uma pessoa que remói. Saiu de Belém e foi para casa remoer coisas. No início do 14º capitulo, o ex-presidente afirma: “Não tenho dúvidas de que teria sido um Presidente da República diferente se não tivesse hábitos de rigor e de trabalho, se a minha formação académica não fosse nas áreas da Economia e das Finanças, se não tivesse sido primeiro-ministro durante dez anos (…).” Escassos cinco parágrafos mais adiante, volta a dizer: “A minha experiência como primeiro-ministro, os conhecimentos de Economia e Finanças (…) e os meus hábitos de rigor e trabalho foram particularmente úteis (…).” Antes disso, já tinha explicado o seu projecto: “(…) pôr o meu saber e experiência ao serviço do país, de modo a que a situação fosse melhor do que seria se a escolha do povo português (…) tivesse sido outra.” E, página e meia depois, repete: “Estou convencido de que (…) contribuí para que a situação económica e social do país fosse melhor do que se tivesse sido outra a escolha dos portugueses.” Trata-se, por isso, de uma obra que se insere num novo género: memórias de uma pessoa que está desmemoriada. Não se recorda que já recordou o que está nesse momento a recordar.

É curioso notar, no entanto, que, na opinião do antigo presidente, a presidência da república faz muito bem à saúde dos idosos: “Para mim, manter a actividade profissional até quando a saúde permitir é a melhor forma de garantir o princípio mente sã em corpo são. Considero que, do ponto de vista psicológico, foi um privilégio ter exercido as funções de Presidente da República entre os 66 e os 76 anos de idade, mantendo uma actividade intensa (…)”. O exercício do cargo de mais alto magistrado da nação junta-se assim ao golf, ao ponto-cruz e à hidroginástica como forma de entreter cidadãos de idade avançada que desejem manter-se activos. Fica a sugestão.


Fonte: Ricardo Araújo Pereira

segunda-feira, fevereiro 20, 2017

Operação Fónix

Por nada ter a ver com futebol, esse jogo lindo, não cabe justamente em nenhuma divagação pelas páginas da imprensa desportiva o julgamento dos 54 arguidos do caso judicial consagrado como Operação Fénix que se refere a coisas como a utilização ilegal de seguranças privados, coação, associação criminosa, ofensa à integridade física qualificada, extorsão, tráfico e outras beldades que tais. Nem a eventualidade de haver um qualquer presidente de um clube de futebol entre o ramalhete de acusados pelo Ministério Público justificaria o mínimo interesse pelo assunto por parte de quem gosta de futebol e de quem escreve sobre futebol.

Sobre a Operação Fénix estamos conversados, não metendo bola não há nada a dizer. Quanto à Operação Fónix já o caso muda de figura. A Operação Fónix trata exclusivamente de futebol, esse jogo incrível, e por isso mesmo justifica umas quantas, poucas, considerações sobre a matéria legitimamente em apreciação. Com o campeonato a entrar no seu último e decisivo terço, estando ao rubro as emoções, não espanta a reacção de muita gente fraca dos nervos ao dar conta da renomeação do juíz de campo mais querido do CA para os desafios longe da Luz que constam do calendário do actual líder da prova maior. - Fónix!- exclamou em uníssono, o vasto público ao tomar conhecimento da decisão do Conselho de Arbitragem, ou melhor ainda, da aposta do Conselho de Arbitragem na figura original do árbitro-cativo para os jogos fora do Benfica. É que depois de ter estado em Faro vai estar agora em Braga, a próxima deslocação do tricampeão nacional. E se as coisas correm de feição, quem sabe se o árbitro-cativo não estará daqui a 15 dias na Vila da Feira? - Fónix! - exclamarão, outra vez, os mais exaltados e os mais supersticiosos perante a insistência nos juízos do mesmo apito no que ao Benfica diz respeito. E assim se viu popularmente desvendado o nome da operação que terá nascido no pacato decorrer daquele raide à Maia em que Artur Soares Dias se viu confrontado com uns quantos estranhos com péssima maneiras e com direito a cobertura televisiva em directo. - Fónix!- exclamou, com toda a propriedade, o árbitro, Soares Dias, que anda agora a apitar pelo estrangeiro. Pudera...

E foi assim que nasceu a Operação Fónix em curso. Também há quem lhe chame a Operação Fónix Renascida em curso mas isso, com toda a franqueza, também já não é futebol.


Fonte: Leonor Pinhão @ record


sábado, fevereiro 18, 2017

Ederson matou a lenda

O Benfica ganhou ao Borússia Dortmund. Lutou que se fartou e teve uma sorte danada. E um guarda-redes do outro mundo. Dizem os mais velhos que não se lembram de ver o Benfica ser tão magnífica e generosamente abençoado pelos deuses da fortuna num jogo internacional desde o distantíssimo ano de 1961, quando, em Berna, a equipa das águias de Lisboa, comandada por Bélla Guttmann, venceu o infinitamente superior Barcelona de Kubala & Companhia na assombrosa final da Taça dos Campeões Europeus. 

Aconteceu há 56 anos, e o resultado foi 3-2 a favor da equipa portuguesa, que beneficiou de um autogolo dos catalães, de umas quantas bolas nos postes na baliza de Costa Pereira e, como se não bastasse, beneficiou ainda da trajetória inacreditável de uma bola que, percorrendo obedientemente e em toda a extensão a linha de golo da baliza encarnada, acabou por, mais obedientemente ainda, voltar para trás para as mãos do guardião do Benfica. 

Dizem os que viveram esse jogo que foi tanta a sorte perante o super-Barcelona de 1961 que o Benfica teve de pagar no meio século seguinte a fatura desse abuso da bondade divina que lhe permitiu conquistar a sua primeira prova europeia. 

E, de facto, o número de finais europeias perdidas pelo Benfica, bem como alguns pormenores dessas e de outras campanhas infaustas – o ‘frango’ de Costa Pereira em Milão, a lesão de Coluna em Wembley, a eliminação por moeda ao ar frente ao Celtic, os penáltis de Estugarda e de Sevilha, o golo sofrido nos descontos em Turim e tantos outros azares… - pareciam dar razão à lenda de que o Benfica tinha gasto num só jogo toda a sorte que lhe caberia normalmente em mais de meio século de competições internacionais. 

Esta saga castigadora deu-se por encerrada na noite da última terça-feira. Não é que, longe disso, o Benfica tenha garantido com esta tangencial vitória sobre a poderosa equipa alemã o bilhete para os ‘quartos’ da Liga dos Campeões. Antes pelo contrário, avizinha-se um reencontro temível a 8 de março, porque o Dortmund só pode estar sedento de vingança contra "o ridículo" que lhe assombrou a última terça-feira. 

A questão que se coloca é a de saber se conseguirá Ederson repetir na Alemanha as coisas mirabolantes que fez na Luz. Ederson, que defendeu tudo o que lhe apareceu pela frente e que no fim do jogo ainda se atreveu a encher de ilusões os adeptos, afirmando que o seu sonho é "fazer história no Benfica como fez o Luisão". Referia-se, certamente, aos 500 jogos que o capitão cumpriu de águia ao peito. 

A acontecer uma coisa destas, teremos Ederson na baliza do Benfica por mais uns 450 jogos. Mas nisto já ninguém acredita. Seria sorte demais. 



No capítulo do futebolês, não há maior criativo em Portugal 
Em qualquer parte do mundo o futebol tem a sua linguagem e Portugal não foge à regra que autoriza a invenção de palavras e de expressões que logo ficam no ouvido e nos manuais da especialidade. Pimenta Machado será o autor da frase mais emblemática de sempre, quando se saiu com aquele "no futebol o que hoje é verdade, amanhã é mentira". 

Foi já há muito tempo, mas vale como nunca. Também Jorge Jesus, atual treinador do Sporting, tem dado o seu contributo para o léxico e, só por isso, merece ser distinguido entre os demais. Foi ele que transpôs da ginástica para o futebol a expressão "nota artística" no tempo em que lidava diariamente com Aimar e Saviola e é também da sua autoria o mais recente neologismo do nosso futebol: a "cotovelite" que empregou para descrever a inveja que alguns sentem da sua carreira ou do seu vencimento mensal. 

Jesus não conseguiu inventar Bernardo Silva como lateral-esquerdo, mas no capítulo do futebolês, não há maior criativo em Portugal.


Fonte: Leonor Pinhão @ correio da manha


sexta-feira, fevereiro 17, 2017

Para uma filosofia do livro e da batata

Quando Manuel Maria Carrilho recusou apertar a mão a um adversário político, já depois de ter feito insinuações sobre o passado de toxicodependência de um outro, ficou a sensação geral de que talvez o ex-ministro da cultura fosse uma pessoa um pouco desagradável. Os anos seguintes encarregaram-se de desmentir essa ideia, e hoje é claro para toda a gente que Carrilho é uma pessoa mesmo muito desagradável. O actual julgamento que o opõe à ex-mulher tem confirmado essa convicção e contribuído para comprovar ainda que um filósofo, sendo amigo da sabedoria, pode, no entanto, ser inimigo da decência. Talvez a sabedoria tenha ciúmes da decência e não permita que o filósofo mantenha amizades paralelas com dois substantivos.

De acordo com os jornais, o depoimento de Carrilho perante a juíza continha revelações escabrosas e observações extravagantes. Gostaria de examinar as últimas, uma vez que não trouxe as luvas e a máscara para mexer nas primeiras. Carrilho alega que as acusações de que é alvo resultam do facto de ele ter abandonado a vida política contra a vontade da ex-mulher. É uma alegação surpreendente. Pessoalmente, não conheço ninguém que se opusesse a que Carrilho abandonasse a vida política, muito menos que quisesse castigá-lo por isso. Creio mesmo que, em toda a carreira do antigo ministro, nunca uma decisão sua foi tão bem acolhida, nem recebeu elogio tão generalizado, como a de abandonar a vida política. É muito duvidoso que Bárbara Guimarães estivesse tão desfasada do sentimento generalizado do povo português.

Outra declaração bastante bizarra foi esta: “Os livros, que são como meus filhos, foram metidos em caixotes como se fossem batatas.” Trata-se de uma frase que revela, sem margem para dúvidas, que Carrilho não percebe nada de livros, de filhos e de batatas. É uma fulgurante demonstração de ignorância que devia envergonhar um homem do saber e da cultura. Comecemos pelo fim: não faz sentido dizer que os livros foram metidos em caixotes como se fossem batatas, na medida em que as batatas não são transportadas em caixotes. Este é um dos mais graves problemas da filosofia: como pode um filósofo estar apto a investigar as categorias básicas do ser se, ao mesmo tempo, desconhece que as batatas se transportam em sacas? Não deveria a axiologia da saca preceder o estudo da ontologia da existência? São questões que a academia teima em evitar.

Em segundo lugar, deve dizer-se que o caixote é um meio bastante aceitável para proceder ao transporte de livros. De acordo com a minha experiência, a sugestão de os transportar em alcofinhas, tapados por uma manta quente e fofa, costuma ser mal recebida pelas empresas de mudanças.

Em terceiro lugar, a ideia de que os livros são como filhos parece um pouco inquietante. Se Carrilho tem os seus filhos arrumados em prateleiras por ordem alfabética do apelido do autor, talvez a segurança social devesse fazer-lhe uma visita. Se leva os livros a passear e lhes dá banho, convinha que um bibliotecário tivesse uma conversa séria com ele.


Fonte : Ricardo Araújo Pereira @ Visão



sábado, fevereiro 11, 2017

Nós também, Bas Dost!

Que fique claro que a culpa é nossa. Do cidadão comum, do adepto comum e do jornalista comum. E também dos jogadores comuns como Bas Dost, que pôs o dedo na ferida com uma frase humilde, um raro momento confessional só ao alcance de um desportista de eleição. Proferiu o holandês uma grande verdade no que lhe diz respeito e no que, inegavelmente, diz respeito a 9 milhões de portugueses do continente e das ilhas e a mais uns quantos milhões espalhados pelo Mundo: "Entendo 20 a 30% do que Jorge Jesus diz." Nós também, Bas Dost! 

E, ao contrário de ti, que és um estrangeiro calmeirão e simpático mal acabado de chegar desses países baixos, nós, que somos portugueses de gema desde que nascemos, também só entendemos 40 a 50% do que diz o teu treinador, que é tão português como o resto do pessoal nativo mas que, por capricho, teima em expressar-se de modo a obrigar constantemente o diretor de comunicação do seu patronato a vir traduzir por miúdos a verdadeira essência do seu fulgor retórico. 

É incrível como, num país que retira ‘Os Lusíadas’ dos currículos escolares porque a nossa juventude estudantil já não consegue atinar com o português do século XVI, sermos agora confrontados com a triste notícia da inépcia geral da nossa população perante o português do século XXI tão críptico, ao que parece, como o do poeta maior da Pátria, morto e enterrado há bué. Leitores, perceberam o ‘bué’? Ótimo, nem tudo está perdido… 

Tudo isto a propósito, como já terão suspeitado, da péssima interpretação que foi dada – por ignorância ou por pura malícia – às palavras de Jorge Jesus mal acabou o FC Porto-Sporting . Cabe na cabeça de alguém minimamente fluente na nossa língua concluir que o treinador do Sporting quis, de algum modo, atribuir as culpas da derrota a um tal João Palhinha ou que quis, também de algum modo, estabelecer comparações cruéis entre os desempenhos de Casillas e de Patrício na noite do Dragão ou que quis, do mesmo modo, desembaraçar-se de qualquer tipo de responsabilidade em mais um insucesso evocando as fatais – e tão camonianas – maravilhas da ‘formação’ esforçadamente levada a cabo em Alcochete? 

Não, Bas Dost, não és só tu que tens dificuldade em compreender a 40% as palavras do míster. Nós também só atingimos pouco mais de metade e isto nos dias bons. Bem fez o assessor de comunicação do Sporting em retirar o treinador da flash-interview quando este se aprestava a mais uma estrofe sobre os seus valorosos e esforçados jogadores perante a perplexidade do pobre entrevistador. "Saia já daqui que isto é dar pérolas a porcos!" E foi isso mesmo que o míster fez, em nome do bom senso e da literacia nacional. 


Até veio a galinha preta a que Peseiro não teve direito. 
De todas as equipas nacionais que já venceram o Sporting nesta temporada, foi o Sporting de Braga que terá produzido a exibição mais autoritária durante os 90 minutos de jogo. Aconteceu em Alvalade poucos dias depois de José Peseiro ter sido despedido. Foi Abel Ferreira, treinador do Braga B, quem dirigiu interina e brilhantemente as hostes nesse compromisso entregando a Jorge Simão a equipa isolada no terceiro lugar da Liga. Simão, vindo de Chaves onde fazia excelente trabalho, não conseguiu nem manter nem reocupar essa posição apetitosa, e muitas têm sido as hipóteses falhadas pelo seu Braga para chegar ao pódio. A última foi na segunda-feira no jogo com o Estoril, que terminou empatado na Pedreira. O que tem faltado a este Braga persiste em ser um mistério ou uma maldição que nem a galinha preta atirada para o relvado conseguiu solucionar. Peseiro não teve direito à galinha, mas não pode deixar de se sentir, finalmente, justiçado pelas tais forças do além… 


Fonte: Leonor Pinhão @ correio da manha



quinta-feira, fevereiro 09, 2017

As novas tecnologias e o suicídio por Amor; Uma arreliadora incompatibilidade

Uma boa quantidade de médicos legistas amadores tem andado entretida a passar certidões de óbito. O romance, o autor, o riso, a arte, a ficção – todos têm morrido várias mortes. Talvez seja exagero dizer que todas essas coisas morreram, mas é inegável que algumas estão com má cara. A ficção, por exemplo, agoniza por causa do telemóvel. Quase todos os filmes têm, agora, um aborrecido diálogo dedicado a telecomunicações. Em certo ponto da narrativa, o herói constata que está sem bateria no telemóvel, ou tem pouca rede no sítio onde se encontra. Assim, ninguém pode avisá-lo de que há um assassino escondido no armário, ou uma bomba prestes a explodir. E, infelizmente, quase nunca a bomba está prestes a explodir no armário onde se esconde o assassino, o que resolveria dois problemas.

Antigamente, os enredos sofriam por défice de comunicação. As pessoas que rodeavam a Lassie tinham de fazer um esforço hermenêutico bastante grande para interpretar correctamente os latidos do bicho: “O quê, Lassie? O Timmy caiu ao poço da quinta dos Ferguson, junto ao celeiro, quando se debruçava para caçar uma borboleta, pois começou na semana passada uma colecção de belos lepidópteros?” Hoje, o excesso de comunicação prejudica a narrativa. O final de “Romeu e Julieta” seria bem diferente no tempo dos telemóveis. Depois de dar a Julieta a poção que vai colocá-la durante 42 horas num estado de morte aparente, Frei Lourenço envia um mensageiro a Mântua, para que ele ponha Romeu a par do embuste, e evite que o jovem se ponha com gestos românticos irreversíveis. No entanto, como se sabe, o mensageiro não consegue contactar Romeu, e a história acaba em tragédia. Se todas as personagens estivessem munidas de um smartphone, no entanto, o final da peça seria outro:

“– Estou?

– Romeu, é Frei Lourenço. Tudo bem? Olha, é só para avisar que a Julieta não está mesmo morta. Parece que está mas não está. Foi uma poção que eu lhe dei, pá.

– Ah, óptimo. Que susto. É que parece mesmo morta. Sendo assim vou pô-la em posições esquisitas e tirar umas fotos engraçadas para colocar no snapchat. #falsofalecimento. Já te mando.”

É possível, porém, que Shakespeare quisesse manter o final original, em que os dois amantes morrem, até porque, sabendo como os sogros se odeiam, os jantares de Natal acabariam por ser insuportáveis, e o melhor é acabar com o sofrimento daquele casal o mais depressa possível. Nesse caso, o monólogo final de Romeu teria de ser revisto:

“– Ah, querida Julieta. Porque estás ainda tão bela? Contemplai-a uma última vez, meus olhos. 
E, apenas por descargo de consciência, contemplai também uma última vez o telemóvel. Como é má a cobertura de rede, aqui. Possuo apenas um pauzinho. Frei Lourenço bem tenta contactar-me, mas a ligação é fraca e não consigo percebê-lo como deve ser. Qualquer coisa sobre uma poção. Enfim, teremos tempo para conversar na eternidade, pois ele conhece bem o senhorio da minha nova morada.”

Digamos que a referência à qualidade das telecomunicações desfeia um pouco a nobreza do discurso. 
É bom que os poetas descubram depressa algum lirismo na banda larga, caso contrário o teatro está perdido.


Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ Visão


domingo, fevereiro 05, 2017

Não tenhas dó, Benfica

No pacato decorrer do jogo do Porto na Amoreira, assim que os primeiros petardos atingiram a relva e a fumarada escondeu de todos os olhares a baliza do Estoril, incluindo o guarda-redes Moreira, logo o perspicaz comentador do do serviço televisivo se apressou a destacar o alto sentido cívico do líder dos Super Dragões, que lá descortinou, naquele transe opaco, a pôr cobro à situação ralhando veementemente com os atiradores à solta na bancada. Uma coisa destas não é novidade, Quando, há três semanas, dois elementos supostamente da mesma claque invadiram por volta das cinco da tarde o centro de treinos dos árbitros para "ameaçar de morte" - de acordo com o que se leu na imprensa - Artur Soares Dias, logo às oito das noite todos os serviços noticiosos da televisão transmitiram em directo o "repúdio" do líder dos Super Dragões pelo infausto acontecimento na Maia. Não, Fernando Madureira não tem boa imprensa. Nós, os pagantes, é que temos má imprensa.

Não procure o Benfica justificação no raide ao centro de treinos dos árbitros-levado a cabo sabe-se lá por quem - para os últimos pontos que esbanjou. O Benfica empatou na Luz e perdeu no Bonfim, porque não soube ser superior, como lhe compete, às circunstâncias. Se quer ser outra vez campeão, não pode o Benfica entrar em campo cheio de dó dos árbitros que só sobreviverão às ameaças de morte se o mesmo Benfica perder pontos seja de que maneira for. Esta missão humanitária, sendo incrivelmente nobre, e altruísta, tem de acabar. O Benfica tem de tratar da sua vida apelando ao seu inato espírito de luta e, por sua vez, os árbitros têm de tratar das suas vidas apelando, por exemplo, à policia e aos órgãos disciplinares da popular modalidade, se é que estão para aí virados. 

Racionalmente, a verdadeira razão para os tropeções do Benfica no último terço do mês de Janeiro foi a meteórica passagem de Kelvin pelo Porto. É de desconfiar que o jogador brasileiro veio ao Dragão fazer uma perninha por sugestão das velhas forças espirituais que regeram com sucesso o emblema e que já tinham feito um muito especial "come back" no jogo com o Braga, lançando para o relvado uma galinha negra sem a qual jamais o Rui Pedro teria conseguido marcar aquele golo no expirar do tempo de compensação. Mal por mal, antes atirar com galinhas negras do que com bombas de fumo, dirão os adeptos providos de bom senso. Não tenhas dó, Benfica.


Fonte: Leonor Pinhão @ Record

sábado, fevereiro 04, 2017

Janeiro é mês de negócios

Na primeira quinzena de janeiro foi muito elogiada a equipa do Benfica porque, na realidade, fez duas coisas muito bem feitas num curto espaço de tempo. E sucessos com um grau de dificuldade apreciável. Não é fácil ir a Guimarães vencer por duas vezes o Vitória com exibições categóricas e resultados tranquilos. Nesta temporada, o Sporting já se viu empatado naquele mesmo estádio e na temporada passada o Porto saiu de lá derrotado e convencido. Terminou, assim, o Benfica a primeira quinzena do primeiro mês do ano sob um coro de aplausos vindos de todos os quadrantes pela excelência do seu futebol e pela qualidade superior do seu quadro de jogadores, que até dava para formar duas equipas capazes de disputar o título nacional. Lembram-se? 

Também na primeira quinzena de janeiro foi muito elogiada a clarividência e os trabalhos do presidente do Benfica que, segundo a imprensa, andou num périplo pelo Mundo a tratar de negócios e da venda de jogadores a preços raros. Até do campo adversário chegaram louvores a Luís Filipe Vieira, um presidente "proativo" que calcorreava o planeta à procura de parceiros multinacionais de monta em prol da modernidade e da sustentabilidade do clube enquanto outros presidentes ficavam, teimosamente, confinados às suas pequenas e típicas paróquias à espera que qualquer coisinha simpática lhes caísse do céu. 

Tudo mudou drasticamente na segunda quinzena de janeiro. A equipa de futebol do Benfica espalhou-se na receção ao Boavista – vá lá que ainda conseguiu segurar 1 ponto – e voltou a espalhar-se ao comprido na visita a Setúbal, onde não conseguiu salvar nem 1 ponto e nem se conseguiu salvar a si mesma de tão desalmada que foi a sua exibição. Ah, sim, os erros dos árbitros, é verdade… Mas não terá, o tricampeão futebol, futebolistas e soluções legítimas para vencer os seus adversários e os erros dos árbitros sem ter de enveredar pelo caminho, trilhado por outros, da ameaça física aos juízes com direito a cobertura em direto de todas estações de televisão? 

Também em relação a Luís Filipe Vieira tudo mudou na segunda quinzena. Os elogios à sua vocação de presidente- -globetrotter sumiram como que por encanto e deram lugar a críticas ferozes à sua permanente ausência num mês em que tanto havia para ganhar e não era dinheiro certamente. Está assim o Benfica agora: aflito com a aproximação do Porto, aflito com o seu futebol subitamente anémico, aflito com o ridículo da situação a que se expôs. Ninguém duvida de que este mês de janeiro vai ficar na História da época de 2016/2017. Resta saber como a história vai acabar. 


Até ao dia em que qualquer coisa realmente horrível aconteça 
Até ao dia em que qualquer coisa realmente horrível aconteça num estádio do nosso país continua a reinar impune o futebol da fumarada como se viu no sábado passado na Amoreira e na noite do dia seguinte em Faro. O arremesso de tochas na direção do relvado é um delito a que nos fomos habituando, mas como o problema é da relva e a relva não se queixa ninguém faz caso. Já o arremesso de tochas na direção dos jogadores é uma novidade que levou ao chão o guarda-redes do Estoril no jogo com o Porto e dois jogadores do Moreirense na final da Taça da Liga. Levantaram-se todos, mais ou menos ensurdecidos, e os árbitros deram ordem para que os desafios prosseguissem com naturalidade. Ora, isto é tudo menos natural, normal, aceitável. Trata-se de situações de índole criminosa. Se as víssemos acontecer no estrangeiro não demoraríamos a aplaudir os árbitros, também estrangeiros, que logo naquele momento dessem o jogo por terminado por falta de condições de segurança. Ou não seria assim?


Fonte: Leonor Pinhão @ correio da manha


quinta-feira, fevereiro 02, 2017

Primeiro como farsa e depois como tragédia ridícula

É um dos momentos mais famosos do filme Duck Soup: Chico Marx desmente que determinado acontecimento tenha ocorrido. Uma senhora diz: “Mas eu vi com os meus próprios olhos…” Chico pergunta: “Bem, em quem é que vai acreditar: em mim ou nos seus próprios olhos?” Um outro Marx disse que a história se repete, primeiro como tragédia e depois como farsa. No entanto, ao que parece, as coisas acontecem pela ordem inversa. Esta semana, o porta-voz da Casa Branca afirmou que a tomada de posse de Donald Trump tinha tido a maior assistência de sempre. Colocado perante um conjunto de documentos, números oficiais, fotografias e testemunhos oculares que o contradiziam, não disse, mas podia ter dito: “Sim, mas em quem é que vão acreditar: em mim ou nos vossos próprios olhos?” Começa a ficar claro que Trump vai ser o melhor presidente do mundo, sobretudo porque tem o seu próprio mundo. São boas notícias para quem temia que ele pudesse dar cabo do planeta: afinal, ele vive noutro. O nosso, em princípio, está fora do seu alcance.

Para um português, há qualquer coisa de estranhamente familiar num chefe de governo colérico, que suspeita de conspirações da comunicação social e é extremamente sensível às críticas. Trump e Sócrates têm, aliás, mais em comum do que parece. Ninguém sabe quanto dinheiro têm ao certo, uma vez que são ambos relutantes quanto a revelar o seu historial financeiro, mas suspeita-se que sejam ambos milionários. Trump irrita-se quando Meryl Streep o critica e Alec Baldwin o imita; Sócrates processava colunistas que o comparavam a Cicciolina. Trump considera que a CNN é um canal de notícias falsas, que é a versão americana da frase “o Jornal de Sexta é um telejornal travestido.” Um e outro gostam de mandar bocas aos adversários na internet, embora Sócrates o faça por interpostos bloggers. Tanto o presidente americano como Sócrates beneficiaram de empréstimos avultados, embora o pai de Trump não tenha sido tão generoso com o filho como Carlos Santos Silva foi com o amigo. Trump detinha uma universidade fraudulenta; Sócrates licenciou-se a um domingo. Trump foi escutado a ser desagradável com mulheres; Sócrates também. São quase almas gémeas.

Numa carta a Pope, Jonathan Swift escreveu que, ao contrário do que se costuma pensar, a vida não é uma farsa. É uma tragédia ridícula, que é o pior tipo de composição. Se a tragédia dos americanos for tão ridícula como a nossa, a Sorbonne que se vá preparando para receber mais um aluno ilustre.


Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ Visão


Desporto de fim de semana - 2024/03/16

Sábado, 2024/03/16  - 14:00 - Futebol - Fc Penafiel -v- SL Benfica B - Liga Portugal 2 | 23/24 - Jornada 26  - 15:00 - Basquetebol - SL Ben...