segunda-feira, janeiro 30, 2017

Pinto da Costa e os árbitros

Na noite de temporal da última quinta-feira, seguindo através da televisão a segunda meia-final (essa mesmo!) da Taça da Liga quando chegou o intervalo, pondo diligentemente de lado o bloco onde registara em gatafunhos muito pessoais os momentos mais vivos dos primeiros 45 minutos do jogo - o golo precoce de Salvio, a não - rendição do Moreirense e, sobretudo, uma quantidade de conclusões péssimas do ataque do Benfica -, voltei a pegar, por desfastio, no livro que Tostão publicou no ano passado, "Tempos vividos, sonhados e perdidos", e que estava ali à mão de semear. Tostão, isto para os mais novos, foi um jogador genial, um dos artífices daquela fabulosa selecção do Brasil que venceu o Mundial de 1970. Terminou muito cedo a carreira, formou-se em Medicina e dedicou-se ao ensino e à escrita. O dr. Eduardo Gonçalves de Andrade sempre fez e continua a fazer tudo bem feito, com bola e sem bola. Folheando distraidamente, confesso, o tal livro de Tostão - os desplantes da equipa do Benfica na primeira parte de Faro impediam, por contágio, qualquer pessoa de se concentrar numa actividade tão nobre como a leitura -, fui parar à evocação de um Venezuela-Brasil de 1969, um jogo de qualificação para o Mundial do México, dando com esta maravilhosa historieta sobre João Saldanha, jornalista e seleccionador do Brasil:"Contra a Venezuela em Caracas, no primeiro tempo perdemos uns dez gols. Irritado, Saldanha nos castigou, proibindo-nos de entrar no vestuário durante o intervalo. Voltámos e ganhámos o jogo por 5-0. Eu fiz trés gols e Pelé fez dois." Não se pode deixar de sorrir perante estas linhas mesmo quando se está a ganhar por 1-0 ao Moreirense com uma exibição lamentavelmente descontraída e, por isso mesmo, nada prometedora.

Deveria o treinador do Benfica fazer ao intervalo o mesmo aos seus jogadores que Saldanha fez às estrelas do "escrete" há quase meio século? Não, nem o nosso Rui Vitória é Saldanha para uma coisa destas nem os tempos são os mesmos...E, diligentemente, fechando o livro, trocando-o pelo bloco de notas, preparei-me para os segundos 45 minutos. Antes não tivesse fechado o livro.

O presidente do Porto veio esta semana a público recordar o processo Apito Dourado de que saiu ileso segundo a sua interpretação dos factos. No entanto, enquanto houver youtube será difícil que a sua opinião prevaleça sobre as demais. Ontem, hoje e, pior ainda, por toda a posteridade."


Fonte: Leonor Pinhão @ Record

‘Mais-valia’ estar calado

Domingos Soares de Oliveira afirmou em setembro que o Benfica não precisaria de vender jogadores em janeiro. Referia-se, obviamente, o administrador da SAD do Benfica a este preciso mês de janeiro que estamos a viver. O voto do homem das finanças da Luz – noutros tempos chamava-se ‘tesoureiro’ – não deixa de ser auspicioso em função das últimas notícias. Mesmo não precisando de vender, como foi garantido, a realidade é que o Benfica vendeu Gonçalo Guedes ao PSG por 30 milhões de euros e é bem provável que até dia 31, quando encerrar o mercado de inverno, o Benfica ainda venda mais um ou dois ‘ativos’, que é como se chama agora aos jogadores de futebol cuja atividade promete render bom dinheiro. Antes assim que chamar-lhes erradamente de ‘mais-valias’ o que, economicamente falando, é a diferença entre o valor final da mercadoria e o custo da sua produção. 

Tomando ainda o exemplo de Gonçalo Guedes, a sua mais-valia obtém-se subtraindo aos 30 milhões de euros que os franceses vão dar por ele o valor investido pelo Benfica na sua formação. É uma pipa de massa. Esta é a regra do sucesso da fábrica de produtos do Seixal e de qualquer outra empresa de qualquer ramo, da produção de calçado à comercialização de tremoços. Os adeptos do Benfica, tal como os adeptos dos outros clubes por norma vendedores, vibram com estes encaixes astronómicos que se vão fazendo porque já tomaram consciência da posição negocial do futebol português no Mundo. Não adianta chorar, elaborar abaixo-assinados contra a venda de tudo e de todos que demonstrem um talento invulgar. 

Há uma frase que já entrou no nosso futebolês e que resume a resignação das bancadas. "Este não fica cá muito tempo", dizem os adeptos sempre que vêm um jogador produzir um certo número de habilidades. É o caso, por exemplo, de Zivkovic, a mais recente coqueluche do Terceiro Anel se o Terceiro Anel ainda existisse. Entra pelos olhos dentro que este sérvio de 20 anos vai cumprir uma passagem meteórica pela Liga portuguesa. Os adeptos conformam-se com estes ditames do capital e fazem o possível por usufruir enquanto podem do brilho destas aves raras. Gonçalo Guedes ainda não tinha convencido uma fatia significativa dos adeptos do Benfica da sua ‘raridade’ e já está em Paris a partilhar o balneário com Di María e outros que tais. É a vida, explicou Rui Vitória a quem ainda precisa de explicações. Que escusada foi, portanto, a garantia dada por Soares de Oliveira no fim do verão passado. O Benfica não precisa de vender em janeiro, mas vendeu. Mais-valia estar calado. 

Não havia maior risco do que entregar Markovic a Marco Silva 
O Sporting desfez-se esta semana de Markovic, subcontratado em agosto como resposta ao desvio de Carrillo para a Luz. Não houve em Alvalade "reforço" mais saudado e mais bem recebido. Compreende-se. Depois de brilhar de águia ao peito, Markovic partiu para Liverpool deixando juras de amor eterno ao Benfica e o seu ingresso no rival provocou enorme angústia prática entre os benfiquistas. E se pega? Mas não pegou. 

Na sua dupla passagem pelo futebol português, o único golo que fez em Alvalade continua a ser aquele que assinou pelo Benfica depois de um slalom gigante com que destroçou a linha defensiva do seu futuro-ex-emblema. Vai agora Markovic para o Hull City. "Marco Silva convenceu-me a vir", disse assim que aterrou em Inglaterra. De todos os clubes do planeta para onde o Sporting poderia despachar Markovic não haveria, do ponto de vista político, pior solução nem maior risco do que despachá-lo para o atual clube do ex-treinador do Sporting. E agora? E se explode?


Fonte: Leonor Pinhão @ correio da manha


quinta-feira, janeiro 26, 2017

Os três estrogeniozinhos e a testosterona má

O leitor gosta de ciganos? E de mulheres? E de heterossexuais? E de magros? Se respondeu não a alguma destas perguntas o leitor é, com todo o respeito, um palerma. Se, por outro lado, respondeu sim a alguma destas perguntas, é, com todo o respeito, outro palerma. A minha resposta – que, curiosamente, está certa – é: depende. Há pessoas adoráveis e detestáveis independentemente da cor, do género, da orientação sexual e da morfologia. Antigamente, era preciso explicar esta evidência às pessoas preconceituosas. Agora é preciso explicá-la também às pessoas anti-preconceituosas.

Na minha opinião, é um escândalo que as mulheres estejam em menor número que os homens no governo, na assembleia da república, nos conselhos de administração, nas páginas dos jornais. Por esta razão: as mulheres têm tanto direito como os homens a ocupar esses lugares. Outras pessoas não se satisfazem com o argumento da igualdade de direitos e defendem que as mulheres devem ocupar aqueles cargos porque acrescentam qualquer coisa que os homens não têm: exercem o poder de outra forma (melhor), com outra sensibilidade (superior). Que mulheres? Todas. Há, ao que parece, uma perspectiva feminina sobre as coisas que me tem escapado. Nunca notei que as mulheres de determinado partido tivessem uma perspectiva diferente da dos homens do mesmo partido. E sempre me pareceu que Mariana Mortágua e Assunção Cristas tinham, cada uma, a sua perspectiva sobre as matérias, e que essa era independente do seu género e da própria cor dos olhos. Para mim, as mulheres – e peço desculpa por ser ofensivo – são, no essencial, exactamente iguais aos homens. Não definir uma pessoa pelo género a que pertence (ou a etnia, ou a nacionalidade) sempre me pareceu uma boa política.

Esta semana, o parlamento russo aprovou uma estupenda lei que equipara a violência doméstica a uma contra-ordenação de trânsito. Se um homem agredir a mulher apenas uma vez por ano, pagará, no máximo, uma multa. O projecto de lei foi apresentado por Yelena Mizulina – que, como o próprio nome indica, é do sexo feminino, e é também presidente da comissão para assuntos da família.

Pessoalmente, acho a lei criminosa, mas prefiro não discordar em público da proponente, até para não ser acusado de “mansplaining”.

Durante as eleições americanas, a actriz Susan Sarandon disse que, tendo divergências de fundo com Hillary Clinton, não votaria nela, até porque, e cito, se recusava a “votar com a vagina”. Compreendo-a bem, porque tenho o mesmo sistema genital de Donald Trump, embora de outro tom, e também nunca votaria nele. Espero que, este ano, as mulheres francesas não votem com a vagina. Não obstante toda a admiração que nutro pela vagina, continuo a achar mais ajuizado que votem com a cabeça.


Fonte: Ricardo Araújo Pereira@ Visão



sábado, janeiro 21, 2017

Numa bandeja de prata

A Jorge Jesus, posto em blackout pelo seu avisado patrão nas vésperas da dupla jornada transmontana, só se lhe ouviu a voz por uma vez nesta última semana e não foi, obviamente, para tecer comentários ao frio que se fazia sentir no nordeste. Nem, muito menos, foi para explicar a decisão de tirar Bas Dost nos minutos finais do jogo que contava para o campeonato ou para confessar aos jornalistas o que lhe vai na alma depois de ter lido – certamente leu – as notícias veiculadas pela imprensa desportiva e generalista dando conta de que o treinador do Sporting só não será despedido sem direito a indemnização neste mês de janeiro porque se recusou, liminarmente, a aceitar aquela alínea do contrato que autorizaria o presidente do Sporting a mandá-lo embora se, à entrada para a segunda volta, a classificação da equipa de futebol se quedasse por um inaceitável quarto lugar. 

Obediente, pacato e bem aconselhado, Jesus respeitou o blackout que lhe fora exclusivamente dirigido e só abriu uma exceção para matar saudades conversando, sorridentemente, com um adepto do Benfica que lhe apareceu pela frente em Vila Pouca de Aguiar no fim de um treino entre os dois jogos do Sporting com o Chaves. 

A boa disposição de Jorge Jesus no bate-papo com um "inimigo" pode ter chocado as almas sportinguistas mais sensíveis mas a verdade é que o treinador não desrespeitou o silêncio que lhe estava imposto por obrigação contratual. Este blackout, sendo uma decisão do Sporting sobre questões relativas ao próprio Sporting, não podia de modo algum ser extensível ao Benfica e à passagem de Jesus pelo Benfica. 

Não resistiu, assim, Jesus a voltar ao tema da sua predileção entre abraços com um adepto do Benfica que, atrevendo-se a elogiar Rui Vitória na cara do atual treinador do Sporting, ouviu deste a resposta típica de um ego inflamado que ainda não digeriu nem aceitou o facto de ter visto os seus serviços dispensados pelo anterior patrão: "Fui eu que vos ensinei a ganhar!", disse. E depois dirigiu-se ligeiro para o balneário onde a triste equipa do Sporting já se encontrava a banhos. 

O remoque do seu ex-treinador suscitou entre os benfiquistas um rol de graçolas inevitáveis sobre o vazio do palmarés de Jesus antes de chegar à Luz mas não pode ter agradado aos adeptos do Sporting que, eventualmente, exigirão ao seu atual funcionário uma concentração exclusiva nos assuntos da casa. E como a frustração gera crueldade, começam a ser muitas as vozes que veem no gesto de Luís Filipe Vieira, que entregou Jesus ao rival numa bandeja de prata, um ato genial de gestão e de estratégia. E de maldade.


Fonte: Leonor Pinhão @ correio da manha


quinta-feira, janeiro 19, 2017

Um lutador jovial

"Todos os bons e firmes são alegres, reflectiu Jordan. É muito melhor ser alegre que é sinal de uma coisa: de uma imortalidade terrestre. Que coisa complicada! Já quase não há alegres. A maior parte dos lutadores joviais desapareceu. Restam pouquíssimos."
Por Quem os Sinos Dobram, Ernest Hemingway (tradução de Monteiro Lobato)

Quem seria eu se tivesse nascido 40 anos antes? É óbvio que me falta coragem para ser herói clandestino, mas também não sou, espero, suficientemente vil para ser agente da PIDE. O mais provável é que fosse um funcionário triste e discreto, tentando sobreviver o melhor possível, sem chamar a atenção e evitando sarilhos. Se vivesse desiludido comigo mesmo já não era mau. Se calhar, é o máximo a que posso ambicionar. Nessa realidade paralela, talvez eu tivesse o discernimento de estar à espera de quem fosse à luta por mim, de quem se arriscasse por mim. Talvez eu conseguisse reconhecer um herói, e fosse capaz de lhe agradecer.

Para compreender Mário Soares, basta olhar para o quadro de Júlio Pomar na galeria de retratos oficiais dos presidentes da república. É o único em que o presidente é retratado a rir. No nosso mundo, a alegria não tem muito prestígio. A melancolia é mais civilizada, a circunspecção é mais admirável, a tristeza é mais grave. Entre nós, a ausência de alegria costuma ser, aliás, essencial para legitimar o poder: a figura do homem sério, contido, abnegado, esquecido de si próprio, que sacrifica o prazer, como um sacerdote, para se dedicar ao bem comum, tem muita tradição – da direita à esquerda. O Bochechas era excessivo em tudo. Falava muito, ria alto, comia, dormia, ia à praia. Talvez pudesse dar-se a esse luxo, porque o seu poder era legitimado de outra maneira. Talvez mais ninguém fosse capaz de preservar a autoridade intacta às cavalitas de uma tartaruga.

E a ideia de liberdade de Mário Soares também era excessiva. O seu objectivo era derrotar os adversários – e conseguia ser cruel a fazê-lo – mas não aniquilá-los. Quando ganhou as eleições presidenciais, disse uma frase que, de tanto ser recordada nas rádios e televisões, quase se transformou num hino: “É a vitória da tolerância; é a vitória da liberdade.” Hoje está na moda ser intolerante com a intolerância – uma ideia arrepiante que, aliás, se rejeita a si mesma. A principal figura política do nosso século XX sabia que a liberdade e a tolerância andavam juntas. Tivemos muita sorte.


Fonte: Ricardo Araujo Pereira @ Visão


terça-feira, janeiro 17, 2017

Três empreitadas

Em paz, e sem fazer alarde dos seus cometimentos, arrematou o Benfica três empreitadas de monta no exíguo espaço de três dias. Não custará a ninguém de bom senso reconhecer que todas elas se antecipavam como extraordinariamente difíceis e, por isso mesmo, os seus desfechos foram tão bem acolhidos entre os adeptos benfiquistas que, por natureza, são exigentes. A meteórica questão, que a todos encheu de alegria, foi o Benfica ter ido a Guimarães de autocarro vencer o Vitória em jogo a contar para o campeonato e, três dias depois, ter voltado a Guimarães de comboio para vencer novamente o Vitória qualificando-se para a final four da Taça CTT. E no meio disto tudo, e em tão curto intervalo, ainda conseguiu despachar o Taarabt de avião para Génova, o que não é, de todo, a flor menor deste pequeno ramalhete.

Tal como os habitantes reservistas do Benfica souberam aproveitar a oportunidade que lhes foi dada no último jogo de Guimarães, dando razão a Rui Vitória que não se cansa de dizer que no Benfica 'não há primeiras nem segundas linhas', também o departamento de marketing da Luz continua a saber aproveitar a favor do Benfica os melhores insultos e as pândegas desconsiderações que a regular carreira da equipa de futebol sempre vai suscitando entre os seus adversários mais gritantes. Assim, depois do enorme êxito anímico e comercial que foi o lançamento do cachecol do 'colinho' já está à venda nos lugares autorizados um novo produto oficial para o frio. Trata-se do cachecol 'a culpa é do Benfica' e tudo indica estar à vista novo sucesso de estima e de vendas, naturalmente. Tem muito que se lhe diga e não está ao alcance de todos esta arte de reverter em bom humor e em euros o triste menosprezo, a desconchavada ofensa e os demais produtos oriundos dos cérebros criativos do 'inimigo'. Que bom sinal dos tempos significaria o risonho lançamento do cachecol 'carrega, Carnide' ou da echarpe 'estado lampiónico' para os dias santos. Que não demore.

Ontem o presidente do Futebol Clube do Porto cumpriu a notável soma de 12.684 dias (304.416 horas ou 18.264.960 minutos, como preferirem) no exercício da função mas pouco se ligou a este feito porque o presidente do Sporting, que não pode ver nada, demorou apenas 54 minutos a instalar e a negar um blackout e imediatamente, em termos de impacto social, deu cabo da efeméride do colega mais velho. Não se faz.

Fonte: Leonor Pinhão @ record

sábado, janeiro 14, 2017

Próxima paragem, Chaves

A bem da verdade desportiva espera-se que o Vitória Futebol Clube, popularmente conhecido por Vitória de Setúbal por questão de facilidade geográfica, já se tenha deixado dessas manias da seriedade e dos regulamentos e não se atreva de modo nenhum a retaliar indignamente contra a digníssima retaliação que o Sporting Clube, também por facilidades geográficas, de Portugal lhe moveu em função do escândalo vivido na noite fria do passado dia 5 de janeiro no Estádio do Bonfim. 

Para quem não tenha dado pelo caso por imposição de outros deveres mais absorventes fica aqui o resumo da ocorrência: o V. Setúbal afastou por "média de idades" o Sporting das meias-finais da Taça da Liga. Mas do que se fala é do golo de penálti apontado à beira do fim pelo Edinho, que, no jogo retórico da eficácia no posto de trabalho do Facebook, dá 10-0 ao presidente, e até mesmo ao diretor de comunicação do clube de Alvalade. 

Talvez também por isto, que é tudo menos um pormenor, o Sporting sentindo-se ofendido, deu ordem imediata de retirada do Bonfim a dois dos seus jovens jogadores emprestados ao Vitória de Setúbal pretendendo, sem perder tempo, emprestá-los agora ao Chaves, com o qual joga hoje, ao final da tarde, para o campeonato e na próxima terça-feira para a Taça de Portugal. Fica, inevitavelmente, por adivinhar para onde serão uma vez mais deslocados estes dois jovens "globetrotters" involuntários dando-se o caso de o Sporting pretender retaliar contra o Chaves se alguma coisa não lhe correr de feição em Trás-os-Montes. 

Por puro maquiavelismo veio a meio da semana o V. Setúbal agitar preceitos e regulamentos tentando, com as insignificâncias da alínea 5 do artigo 78 de uma papelada qualquer, obstruir à bonita retaliação do Sporting com uma retaliação absolutamente disparatada porque, em primeiro lugar, deveria o Vitória ver com quem é que se mete antes de se meter com quem é muito maior do que ele até na média de idades, como se veio a verificar na tal noite fria do Bonfim. 

Está, assim, o país desportivo em suspenso da boa vontade dos setubalenses, mais do que do cumprimento estrito da lei, pelo menos até que termine esta dupla jornada do Sporting por terras transmontanas onde a porca, normalmente, torce o rabo. 

Não vá, portanto, o honrado V. Setúbal, por afeição aos regulamentos ou telecomandado a partir de Carnide, impedir os dois rapazes de seguir o rumo traçado e privar o público de seguir tudo isto como é suposto acontecer. E com todos os condimentos para que nada falta à crítica, sempre imparcial no momento de julgar. 



Os vaidosos nunca são espertos porque são incapazes de se calar  
Poderá uma pessoa ser orgulhosa sem ser vaidosa? Sim e Cristiano Ronaldo é disso mesmo o maior exemplo do nosso tempo. Uma romancista inglesa, morta há quase 200 anos, resumiu a questão, velha como a humanidade, com suprema clareza: "O orgulho relaciona-se com a opinião que temos de nós mesmos e a vaidade com o que desejaríamos que os outros pensassem de nós." Cristiano tem a melhor opinião sobre si próprio e ninguém lhe pode levar a mal perante o cúmulo de distinções com que o seu trabalho é reconhecido. 

Sobre o que os outros pensam dele, vem o madeirense dando provas sólidas e frequentemente bem-humoradas da mais completa indiferença, o que só lhe fica bem. Cristiano, que já ganhou quase tudo o que havia para ganhar no mundo, não é um tipo vaidoso tendo currículo para isso. Cristiano é, acima de tudo, astuto. Bem nos ensinou um moralista francês de outro século que "os vaidosos nunca são espertos porque são incapazes de se calar". E por hoje chega de literatura.


Fonte: Leonor Pinhão @ correio da manha

quinta-feira, janeiro 12, 2017

E-Grilhetas

No passado dia 1 de Janeiro entrou em vigor em França uma esquisita lei conhecida pelo nome de "direito de se desconectar", que determina que um trabalhador tem o direito de ignorar contactos telefónicos ou de correio electrónico relacionados com trabalho quando está de folga. Ou seja, a lei diz que, quando um trabalhador está sossegado em casa, ele tem o direito de estar sossegado em casa. Ainda não decidi se estou orgulhoso por, em 2017, sociedades como a nossa garantirem aos trabalhadores o direito a não trabalharem na folga, ou se estou humilhado por, em 2017, sociedades como a nossa ainda precisarem de garantir aos trabalhadores o direito a não trabalharem na folga. Há 30 anos, talvez fosse impensável que um patrão batesse à porta de um trabalhador às oito e meia da noite, lhe interrompesse o jantar e pedisse para analisar um relatório. Agora, no entanto, segundo o que esta lei deixa entender, era possível. Houve duas ou três mudanças que transformaram o impensável em possível: primeiro, deixou de haver patrões.

Há ci i âus (pessoas que se fazem designar em estrangeiro pela sigla CEO). E também deixou de haver trabalhadores. De acordo com a retórica da Igreja Universal do Reino do Empreendedorismo, os antigos trabalhadores são hoje comerciantes de um produto. Esse produto são eles mesmos. São comerciantes e produto ao mesmo tempo. É capaz de ser a pior combinação possível, porque a diferença entre um trabalhador e um comerciante é que o trabalhador tem um patrão e o comerciante tem clientes. E a diferença entre um patrão e um cliente é que o cliente tem sempre razão.

Além disso, apareceram inovações tecnológicas que, aliás, são óptimas. Facilitaram muito a nossa vida. Infelizmente, também há uma diferença importante entre apreciar as vantagens da tecnologia e deslumbrar-se saloiamente com a tecnologia, porque só este último estado de espírito leva à conclusão de que qualquer absurdo é legítimo, contanto que seja praticado através de um smartphone. Todas juntas, estas mudanças produziram um ambiente em que é natural que um ci i âu ache estranho não poder dispor dos seus produtos a qualquer hora do dia ou da noite. Uma coisa é a luta de classes, outra são os direitos do consumidor.

É possível que a DECO francesa consiga reverter esta lei.


Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ Visão 

domingo, janeiro 08, 2017

Tudo menos de penálti, por favor

Os sinais de que a recuperação de Jonas não tardaria em fazê-lo regressar ao seu posto de titular na equipa do Benfica trouxeram a primeira preocupação de 2017. Sim , soa a absurdo. Mas não é, como terão ocasião de entender. Voltando Jonas voltariam, mais cedo ou mais tarde, os golos de Jonas e a dificuldade maior seria a chegada do primeiro golo do avançado brasileiro, esse por quem a Luz se apaixonou, depois de uma ausência de meses e de agouros inusitados sobre o estado da sua saúde. Por tudo isto seria óptimo que Jonas marcasse um golo rapidamente para acreditar em si próprio e validar a alta médica que lhe foi concedida. E não podia ser um golo qualquer, teria de ser um golo à altura do talento do artista. A primeira preocupação de 2017 foi, justamente, essa. Com que golo vai Jonas voltar a encantar-nos e a tomar conta do seu lugar? E se Rui Vitória lhe confiar a cobrança de uma grande penalidade e se ele falhar, como reagirá Jonas anímicamente a esse desgosto?

Regressar aos golos com um golo de penálti, não sendo épico, não é desconsideração para ninguém mas desperdiçar um pontapé de 11 metros depois de tão longa ausência poderia produzir efeitos nocivos para a moralização do jogador e para o processo de reintegração na equipa. E isto era francamente preocupante. Portanto nada de penáltis a favor do Benfica era o que se pretendia para a noite de terça-feira no Estádio da Luz. E assim mesmo entendeu o árbitro da partida, que fez vista grossa a uma belíssima infracção cometida por um vizelense na sua área quando o resultado estava ainda num 0-0 motivador para a verdade desportiva.

Em resumo, com a colaboração do árbitro correu tudo bem a Jonas e ao Benfica na noite de terça feira passada. Para proteger Jonas da angústia perante o castigo máximo o árbitro - benfiquista dos sete costados - decidiu que não houve falta mas o Benfica acabou por golear o Vizela sem precisar do tal penálti para nada e Jonas, para quem marcar um penálti é coisa pouca, voltaria aos golos com um pontapé soberbo na execução de um livre direto apontado a uma distância considerável da baliza do adversário. Depois ainda marcou um segundo golo numa cabeçada categórica dando o melhor seguimento a uma bola cruzada por um outro rapaz que por lá anda agora e se chama Zivkovic e que, se calhar, voltaremos a ver em ação hoje em Guimarães. É que também merece."


Fonte: Leonor Pinhão @ record


Mais ou menos anedóticos

Em dez edições da prova e pela décima vez consecutiva lá se viu o FC Porto mais uma vez "livre" da Taça da Liga. Se, por um lado, este mais recente insucesso só pode ser considerado como um verdadeiro êxito político e desportivo para Pinto da Costa – tendo em conta que foi o próprio presidente quem, em 2012, resumiu a eliminação frente ao Benfica nas meias-finais com a frase imortal "desta já estamos livres" – não deixará de causar apreensão, por outro lado, o culminar no arranque de janeiro, e frente ao Moreirense, de uma fraquíssima campanha na dita Taça da Liga tendo em conta que foi o próprio presidente quem, entre este Natal e o Ano Novo, numa outra frase a caminho da imortalidade – "sinto que estamos no início de um novo ciclo de conquistas" – anunciou à nação portista o dealbar de uma nova aurora de êxitos nacionais e, certamente, também internacionais para não fazer a coisa por menos como é timbre do orador. 

Ninguém no seu perfeito juízo duvidará de que a saída pela porta pequena da Taça da Liga neste ainda fresco mês de janeiro foi encarada no Dragão com uma ligeireza superiormente autorizada pelos votos presidenciais que não se compara, nem de perto nem de longe, com a falta de ligeireza com que terá sido encarada a saída pela porta pequena da Taça de Portugal no passado mês de novembro. 

É que sempre são Taças diferentes ainda que ambas contem para o registo dos números de títulos oficiais e para as aritméticas com que os clubes e os seus adeptos gostam de se entreter quando vem à liça a triste arte da vanglória ou a tristíssima arte de apoucar adversários e rivais. E nisto são todos iguais. 

O "novo ciclo de conquistas" que Pinto da Costa declarou aberto vê-se assim confinado, no que diz respeito à temporada corrente, ao sempre possível campeonato nacional e à cada vez mais impossível Liga dos Campeões. Tal como disse Nuno Espírito Santo recentemente "são anedóticos" os 4 pontos de atraso que o FC Porto leva do Benfica. E são. 

Mas mais anedóticos terão sido os 120 minutos que o seu FC Porto desperdiçou sem conseguir marcar um único golo ao Chaves que o afastaria da Taça de Portugal e mais anedótica ainda terá sido esta campanha na Taça da Liga que se resume a 2 empates, 1 derrota, 270 minutos de futebol e 1 golo marcado num grupinho em que os seus desconsiderados adversários – Belenenses, Feirense e Moreirense – marcaram 15 golos. 

Nem com os 19 penáltis que o Dragão reclama em seu favor conseguiria a equipa de Nuno Espírito Santo sair-se desta "poule" com um "goal-average" que fizesse justiça à diferença de orçamento entre um e os outros. Malditos árbitros, está visto. 


De invasão de campo em invasão de campo, um hábito original 
O Sporting despediu-se de 2016 com uma vitória "in extremis" sobre o Belenenses e com uma festiva invasão de campo no Restelo, que teve direito a mais uma volta olímpica presidencial, e entrou em 2017 com uma derrota "in extremis" frente ao Vitória de Setúbal e com uma nada festiva invasão do relvado no Bonfim, sem direito a volta presidencial mas com direito a intervenção policial. 

O jogo com o Belenenses contava para o campeonato em cuja tabela a equipa de Jorge Jesus segue na quarta posição a uma distância considerável do líder e o jogo com o Vitória de Setúbal contou para a Taça da Liga onde o Sporting já não está porque foi eliminado. 

O traço em comum entre estas duas ocorrências é, sem sombra de dúvida, a invasão de campo que parece querer instalar-se como um hábito original ainda que preocupante em termos de segurança. É de crer que amanhã com o acessível Feirense não haja invasão de campo. Mas talvez haja volta olímpica. No entanto, nunca se sabe...

Fonte: Leonor Pinhão @ correio da manha

2017 é um mito urbano

Diz-se que, numa das primeiras exibições dos filmes dos irmãos Lumière, os espectadores fugiram da sala em pânico, temendo que o comboio que viam a aproximar-se na pantalha os abalroasse. Hoje, talvez as plateias precisem de instruções para perceber o oposto: que o mundo não é como parece no cinema. No início do século XX, as pessoas pensavam que as coisas dos filmes eram tão reais como as da vida; no início do século XXI, pensam que as coisas da vida real são a fingir, como nos filmes. Talvez isso explique que o mundo pareça ultimamente um mito urbano. Se calhar, fomos tomando decisões com a disposição de quem pensa que a vida se pode rebobinar. Que Trump e Putin presidam aos EUA e à Rússia é tão plausível como a carta do príncipe da Nigéria que precisa da nossa ajuda para uma operação financeira que nos vai render milhões. Há uma sensação de fim do mundo que, sinceramente, me deixa um pouco desiludido. Pensei que fosse melhor. Esperava uma onda de libertinagem bastante intensa que, afinal, não se verifica. Se é para esta pasmaceira, não vale a pena o mundo acabar. O livro do Apocalipse não ajuda a compreender o momento, na medida em que fala do aparecimento de uma besta e eu vejo várias, e refere a existência de uma grande prostituta da Babilónia que, com pena minha, não apareceu. “Os habitantes da Terra se embriagaram com o vinho da fornicação”, diz a Bíblia – e, no entanto, todos os dias, nas melhores garrafeiras, garantem-me que ainda não chegou nada.

Não parece haver dúvidas de que o mundo se aproxima do fim. Portugal foi campeão da Europa de futebol. Morreram George Michael, Fidel Castro, Leonard Cohen, Prince, Gene Wilder, Muhammad Ali, David Bowie, Shimon Peres e Zsa Zsa Gabor – que eu pensava que já tinha morrido há anos, pelo que acolhi a notícia do seu passamento com a tristeza que se deve a um defunto, mas ao mesmo tempo com a alegria de constatar que ela teve uma vida mais longa do que eu imaginava. O falecimento de todas estas estrelas mundiais parece ser o equivalente à classe executiva do fim do mundo: primeiro vão os VIP e as pessoas normais seguem pouco depois, todas ao molho, em turística. As adegas que se apressem a lançar o vinho da fornicação, porque já não temos muito tempo e eu quero degustar isso.


Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ visão 

Desporto de fim de semana - 2024/03/16

Sábado, 2024/03/16  - 14:00 - Futebol - Fc Penafiel -v- SL Benfica B - Liga Portugal 2 | 23/24 - Jornada 26  - 15:00 - Basquetebol - SL Ben...