Entre o que Portugal é e o que Portugal não é talvez se encontre o que Portugal realmente seja. Vamos todos fingir que esta frase faz sentido. Aproveitamos e fingimos, além disso, que Portugal também faz sentido. O português é um fingidor. Em princípio, vamos conseguir.
É muito difícil determinar a distância exacta entre o que Portugal é e o que Portugal não é uma vez que, com muita frequência, Portugal é e não é a mesma coisa. Segundo se diz, a troika vai sair de Portugal no dia 17 de Maio. Uma vez que o Governo desejava ir além da troika, não deveria sair primeiro, e para mais longe? E, no entanto, não sai. Por uma razão simples: Portugal acaba de se livrar da troika mas, ao que parece, a troika vai ficar a "monitorizar-nos" durante mais 20 anos. É uma saída que acaba por não ser uma saída. O Governo, que festejou a vinda da troika, agora festeja a saída da troika. Na dúvida, o Governo festeja. O Executivo anunciou agora que se tinha decidido pela saída limpa, por ser a melhor opção, mas Angela Merkel já tinha dito que não poderia haver programa cautelar, o que indica que não havia mais opção nenhuma. O Governo disse que a chegada da troika era fundamental para a salvação do País, e agora diz que a alegada partida da troika é fundamental para a salvação do País. Há nisto um certo calvinismo político: Portugal está predestinado à salvação, aconteça o que acontecer.
É igualmente complicado determinar o que Cavaco é. Cavaco é um político que diz abominar políticos. Apela ao consenso e à união e, mal o Governo anunciou a saída limpa, publicou uma azeda provocação aos que previram o segundo resgate, perguntando-lhes o que dizem agora. Previu uma espiral recessiva que não se verificou e agora recrimina quem previu um segundo resgate que não se verificou. Anunciou que preferia um programa cautelar, até porque, como escreveu, "ficando inteiramente à mercê da volatilidade dos mercados o País pode incorrer em custos de regressão elevados", e agora congratula-se com uma saída limpa.
Aqui, o que é, ao mesmo tempo também não é. Portugal não faz a pergunta de Hamlet: para nós, não se trata de escolher entre ser ou não ser. Estamos ocupados a ser e a não ser, ao mesmo tempo, e isso não levanta questão nenhuma. É um tudo ao molho existencial. Não há tempo para perguntas parvas.
Fonte: Ricardo Araújo Pereira @Visão
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