sábado, janeiro 05, 2019

Por um 2019 pouco amarelo

Um espectro paira sobre Portugal: o espectro do coletismo-amarelismo. Por enquanto, é um espectro bastante difuso, não chega a ser uma pequena nuvem negra, é uma névoa ténue que não assusta. Um espectrozinho, uma víbora bebé. Quando o papão é ridículo, não mete muito medo. A mistura de reivindicação política com a indumentária oriunda da segurança rodoviária não parece ter sido uma grande ideia. Um automobilista vê um cidadão de colete amarelo e pensa: será um manifestante? Não, é um azarado a mudar um pneu. E aqueles dois, no meio do Marquês de Pombal? Serão manifestantes? Não, estão a assinar a declaração amigável por causa de um pequeno acidente. Não são gente sinistra, são gente que esteve envolvida num sinistro. A desilusão que sobrevém quando se constata que muitos dos potenciais manifestantes são, afinal, automobilistas perfeitamente integrados no sistema estraga o efeito pretendido pelos contestatários.

É importante sublinhar que, embora haja entre os manifestantes muita gente sinistra, também haverá lá pessoas que são simplesmente ingénuas. O senhor que foi à televisão dar a cara pelo movimento parece integrar este segundo grupo. Sente um mal-estar (em grande medida, infelizmente, justificado) em relação a várias situações da vida política que ninguém deixa de criticar. O problema é que esse mal-estar produz um tipo de reivindicação vaga, que gera palavras de ordem pouco sedutoras, tais como “Somos a favor de coisas boas e contra coisas más!” E a inexperiência política levou à redacção de uma espécie de manifesto em que se exigem várias medidas, umas incompatíveis entre si, outras inconstitucionais. O senhor em causa também não é um tribuno especialmente notável, o que prejudica a eficácia da transmissão da mensagem. No início da entrevista disse: “Isto começou numa brincadeira de seis amigos. Ninguém se conhecia.” Ou seja, eram amigos, mas de outras pessoas. Entre eles, não se conheciam. O que talvez explique o fiasco da organização. Talvez devessem ter estreitado laços primeiro, até para perceberem se tinham alguma coisa em comum. O senhor acrescentou ainda: “O povo agora é que escolhe. Nós fizemos a nossa parte.” Uma afirmação perigosa, tendo em conta que o povo escolheu ficar em casa, ir trabalhar ou fazer compras.


O mais importante – e já agora fica o desejo para 2019 – era que este nosso sistema, do qual se costuma dizer, para mim acertadamente, que é o pior de todos com excepção dos todos outros, não continuasse a dar pretextos para que aqueles cujo único argumento político é “isto é tudo uma cambada de corruptos” possam dizer, com propriedade, que isto é tudo uma cambada de corruptos.




Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ visão 

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