quinta-feira, janeiro 24, 2019

O processo - versão Portuguesa

Alguém devia ter caluniado Armando V., visto que uma manhã não o prenderam, embora ele tivesse sido condenado. Após anos de recursos, de tribunal em tribunal, V. perdera em todas as instâncias, e agora só lhe restava cumprir a pena, decretada no início de Dezembro. O caso estava encerrado, a sentença decidida, a pena determinada, a prisão escolhida. Ocorreu, porém, a intromissão de uma das piores peripécias burocráticas que entravam o curso dos processos: “meteu-se o Natal”. E depois chegou Janeiro. Pareciam estar reunidas todas as condições para que a prisão se consumasse. No entanto, faltava um papel. A juíza do Tribunal Judicial de Aveiro disse, em comunicado, que não emitiu o mandado de detenção, porque o Tribunal da Relação do Porto ainda não lhe tinha enviado os documentos necessários.

Documentos esses que, muito provavelmente, estariam retidos na sequência de um requerimento, cuja apreciação estaria pendente de uma deliberação sobre a sua validade, deliberação essa que talvez não fosse vinculativa mas sujeita a recurso. Era um país em que até para ser preso era preciso ter sorte. Às vezes, um cidadão precisava de uma certidão e faltava-lhe um selo, selo esse que só se poderia obter na posse daquela certidão. Havia documentos cuja emissão demorava por falta de uma assinatura, de um carimbo, de uma autorização superior (não se falava muito de autorizações inferiores, ou por não existirem ou por não autorizarem nada). Havia filas, listas de espera, senhas que era preciso retirar na abertura dos serviços para, com sorte, ser atendido mesmo antes do fecho – mas nunca se tinha ouvido falar em obstáculos burocráticos para ser preso. Consultas médicas, intervenções cirúrgicas, obtenção de documentos legais – tudo isso demorava, claro. Já ir para a cadeia costumava ser um processo fresco, simples e rápido. Mas não para o pobre Armando V. Deve recordar-se que V. era uma pessoa importante e influente. Estava, aliás, condenado por tráfico de influências. No entanto, nem ele conseguia exercer influência suficiente para que o encarcerassem na hora devida. Quanto mais depressa fosse preso, mais depressa sairia. A Justiça estava, por isso, a retardar injustamente o momento da libertação de V. E isso talvez fosse um bom pretexto para um pedido de nulidade ou de prescrição. Havia que começar a recolher documentos. A primeira coisa a fazer era tirar uma senha e preencher um requerimento. Era trabalho para dois meses.



Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ visão

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