sábado, abril 29, 2017

O pôr-do-sol e o exantema maculopapular

Quando, por volta de 1796, o cientista Edward Jenner introduziu a vacina contra o sarampo, estaria longe de imaginar que, mais de dois séculos depois, o seu trabalho viria a ser contestado, não por médicos, mas por estrelas de Hollywood que, de vez em quando, interpretam o papel de médicos. É fácil argumentar com médicos, mas é bastante mais difícil discutir com pessoas que fazem de médicos.

As pessoas que fazem de médicos, em geral, sabem muito mais de medicina.

Em defesa dos detractores, é preciso reconhecer que a vacina contra o sarampo tem uma origem suspeita.

Jenner verificou que as senhoras que ordenhavam vacas, e que tinham contactado com o sarampo vacum, desenvolviam uma quase imunidade à variação humana do vírus, que é muito mais forte. Não se sabe porque é que Jenner resolveu dedicar-se a observar vaqueiras, mas a hipótese de o ter feito por mera curiosidade científica cheira a desculpa esfarrapada.

Em todo o caso, foi assim que se descobriu a vacina. Na verdade, todas as vacinas se chamam vacinas por causa da vacina contra o sarampo: a palavra vacina tem origem na palavra vaca, precisamente devido ao papel fundamental que o simpático bovino desempenhou no processo. Essa é uma das razões pelas quais é difícil compreender o argumento principal dos militantes anti--vacinas. Alegam que as vacinas provocam doenças como, por exemplo, o autismo, porque o processo não é "natural". Donald Trump, por exemplo, apresentou um contra-argumento célebre ao facto de não haver qualquer prova científica que corrobore a relação das vacinas com o autismo: "Estou-me borrifando." E os cientistas, sem pedalada teórica para o acompanhar, engoliram em seco, claro. No entanto, talvez os militantes anti-vacinas sejam sensíveis ao facto de a vaca, que está na origem até da palavra vacina, ser um bicho extremamente natural. Talvez possamos sensibilizá-los ainda para o seguinte: nem tudo o que é natural é bom. O veneno da cobra, por exemplo, é natural. O vírus do sarampo, também. Já possuir telemóvel e viver em casas com aquecimento central não é natural. Pode ser que dê que pensar.

Se nenhum destes argumentos convencer os militantes anti-vacinas, proponho que eles não sejam punidos legalmente. Defendo mesmo que devem ser livres para desfrutar ainda mais plenamente da sua opção de não vacinar os seus filhos, e possam ir viver para o século XVIII. Cria-se uma reserva ecológica para onde eles podem ir, com as suas charretes, e nós ficamos cá, completamente isolados, até para não os contaminarmos com a porcaria do nosso progresso.


Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ Visão

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