Há um poema do Wilfred Owen sobre um soldado que é castigado por estar sujo na forma. O soldado explica que a nódoa da farda é sangue – o seu próprio sangue. “Bom, sangue é sujidade”, diz-lhe o superior. Segundo o Correio da Manhã, o Centro de Solidariedade Social de São Jorge da Beira, na Covilhã, abrigou numa nova ala duas pessoas que viviam em condições de pobreza extrema.
A Segurança Social de Castelo Branco inspeccionou o centro e aplicou uma multa de 10 mil euros, porque a obra ainda não estava licenciada. Os responsáveis do centro explicaram que a nova ala dispunha de todas as condições, tanto que as pessoas já lá estavam há seis meses. “Desculpe, mas esta solidariedade é ilegal”, terá certamente respondido a Segurança Social. E os utentes foram obrigados a desocupar o edifício.
Um pouco exasperado, o presidente do centro alegou que, apesar de não ter ainda autorizado a abertura das novas instalações, a Segurança Social já tinha dado parecer positivo. É uma desculpa esfarrapada. O parecer positivo é apenas um pequeno passo de uma longa tramitação. Há gente que, pelos vistos, considera que pode ajudar os outros à balda. Solidarizar-se sem rei nem roque. Usar o pretexto estafado de estarem reunidas todas as condições para começar a resolver situações urgentes sem autorização. Não estamos na selva.
Num gesto pedagógico que nos ensina em que consiste a verdadeira solidariedade, a Segurança Social foi bondosa e aplicou uma multa leve. Creio que estamos todos de acordo em relação ao seguinte: a solidariedade é muito importante. E também extremamente bela, e tal. Ora, quem a pratica com desleixo deve ser bem castigado. 10 mil euros é um preço simbólico a pagar por quem se atreve a abrigar pessoas necessitadas ilicitamente. Imagino o sofrimento dos utentes. Aquele acolhimento digno e humano nem devia estar a saber- -lhes bem, se tinham consciência de que estavam a usufruir dele sem o carimbo requerido pela lei. Há, de certeza, um selo para autenticar, uma assinatura para verificar, um documento a ser transcrito em acta e afixado em edital. Os frequentadores de instituições de solidariedade sempre foram abusadores. Todos recordamos a cena célebre em que o chupista Oliver Twist tenta aproveitar-se do caridoso Sr. Bumble pedindo mais um pouco de papas. Agora, pelos vistos, são os próprios responsáveis pelos centros sociais que pretendem ludibriar as leis. O mundo da solidariedade está perdido.
Fonte: Ricardo Araujo Pereira @ Visão
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