quinta-feira, setembro 01, 2016

Transforma-se o trabalhador na cousa trabalhada, por virtude do muito aldrabar

De acordo com o Jornal de Notícias há patrões que estão a obrigar os estagiários a pagar para trabalhar. Algumas pessoas apressaram-se a comparar o caso com a escravatura, o que é absurdo: os escravos não pagavam para trabalhar. Havia, nos energúmenos esclavagistas do passado, uma decência que falta aos patrões empreendedores do presente.

Parece que o esquema funciona assim: para promover a entrada dos jovens no mercado de trabalho, um organismo do Estado paga uma percentagem do estágio. A empresa paga a outra parte, e declara ao fisco uma despesa com pessoal, recolhendo benefícios em sede de IRC (notem que usei a expressão “em sede de”. Estou muito orgulhoso. É possível que não faça sentido neste contexto, o que não diminui em nada o meu orgulho). Depois, a empresa obriga o estagiário a devolver o dinheiro que lhe entregou, operação que não é declarada às finanças. Alguns patrões forçam ainda o estagiário a saldar a taxa social única, cujo pagamento cabe às empresas. É aqui que o caso muda de figura, embora nenhum analista o tenha observado. Uma vez que paga taxa social única, o trabalhador passa a ser empresário. E, tendo em conta que remunera o patrão, este passa a ser seu empregado. Além disso, como essa remuneração não é declarada às finanças, o estagiário é, na verdade, um empresário vigarista e explorador, e o patrão é um pobre trabalhador precário, que recebe por baixo da mesa. Vistos a esta luz, os factos indicam que o estagiário criou uma empresa que, além de ser ilegal, factura pouco ou nada. No nosso país, felizmente, empresários que praticam ilegalidades e obtêm poucos rendimentos não têm futuro. Só empresários que praticam ilegalidades e declaram poucos rendimentos. É uma diferença subtil mas decisiva.

Talvez seja interessante resumir a vida destes estagiários desde a maioridade: primeiro, sujeitam-se a uma praxe académica para entrar na universidade; depois, suportam uma praxe financeira para entrar no mercado de trabalho. O pontapé de saída para a vida adulta é isso mesmo: um pontapé. Dois, na verdade: começam com um aperitivo de violência e humilhação e terminam com uma pratada de exploração e fraude. Que esta gente não tenha vontade de nos matar a todos é, para mim, um mistério.


Fonte : Ricardo Araujo Pereira @ Visão

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