quinta-feira, dezembro 20, 2018

Não fui eu, foi aquele menino

Quando Rosa Grilo, a viúva do triatleta assassinado, alegou que os responsáveis pela morte do marido eram três angolanos (dois pretos e um branco), que tinham vindo à procura de diamantes, a história soou-me familiar. Ou talvez não a história mas a estratégia: aquela era, evidentemente, a versão adulta da desculpa infantil “quem fez isto não fui eu, foi um gigante muito mau”. A minha entrada na idade adulta (há cerca de dois anos) impediu-me de continuar a usar as desculpas infantis, mas a necessidade de recorrer a elas, infelizmente, manteve-se. Foi, por isso, com muita alegria, que fiz a descoberta das versões adultas. Tem sido um sucesso. 

Funciona assim:
– Quem foi o porco que deixou estas meias no chão?
– Foram três angolanos (dois pretos e um branco). Apareceram cá em casa à procura de uns diamantes. Como eu não os tinha, disseram: “Então vamos atirar estas meias para o chão.” E depois desapareceram.

Ao passo que a desculpa infantil recorre a figuras mitológicas, como gigantes, a desculpa adulta lança mão de entidades que existem mesmo, tais como angolanos pretos, angolanos brancos, crime organizado e intriga internacional. Não abandonando o território do fantástico, consegue, ainda assim, tornar mais fácil a suspensão da descrença. Não torna muito mais fácil, mas regista-se o esforço.

Entretanto, nas vésperas de ser preso, Armando Vara insinuou que só foi condenado porque recusou atender o pedido do juiz Carlos Alexandre, que queria a sua ajuda para ser nomeado director do SIS. Aqui temos, de novo, a versão adulta de uma desculpa infantil. Neste caso, trata-se, como me parece óbvio, da conhecida desculpa “eu portei-me bem, a professora é que embirra comigo”. Vara ensaiou o equivalente adulto: como recusou satisfazer a ambição de Carlos Alexandre, o juiz tomou-o de ponta e mobilizou a PJ, o Ministério Público, o tribunal da primeira instância, o da Relação e o Constitucional para condenar um inocente a uma pesada pena de prisão. A perfídia de Carlos Alexandre é especialmente retorcida: um homem que é capaz de manobrar o sistema com esta destreza conseguiria, muito mais facilmente, alcandorar-se a director do SIS sem ajudas. Mas, por um capricho qualquer, apesar de ser todo-poderoso, naquele caso específico ele só aceitaria dirigir o SIS se Vara o ajudasse. Ou seja, além de poderoso é caprichoso – como, aliás, os gigantes muito maus costumam ser.



Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ visão


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