terça-feira, julho 10, 2018

José Maria Pincel: Subsídios para uma biografia

A presença de José Maria Pincel no espaço público português é tão intensa quanto misteriosa. A frequência com que se invoca o seu nome, quase sempre com feia altivez, assinala uma contradição incontestável: José Maria Pincel é, muitas vezes, o símbolo do anonimato – e, no entanto, é um dos nomes mais famosos de Portugal. “Então mas agora qualquer Zé Maria Pincel chega a deputado?”, costuma ouvir-se – e afirmações deste tipo contêm, pelo menos, três erros. O primeiro é, como já vimos, que, à força de repetição, o nome de José Maria Pincel ganhou uma proeminência que o desqualifica para designar gente anónima.

O segundo erro é que, neste e noutros casos, José Maria Pincel aparece não apenas como um anónimo, mas também como um borra-botas. Ora, sucede que José Maria Pincel é um péssimo nome para um borra-botas. Um nome vulgar, como Zé Silva, ou Zé Pereira, seria mais apropriado para designar um indivíduo, digamos, sem berço. Mas um José Maria? Note-se que não se trata de um mero Zé, como os que costumam protagonizar frases corriqueiras, a saber: “Ó Zé, 
vai buscar pão, que já não há.” De modo nenhum. Estamos perante um Zé Maria, que costuma ouvir solicitações bem diferentes, tais como: “Ó Zé Maria, venha cá dar um beijinho à tia.” Além do mais, Pincel está longe de ser um apelido banal. Antes pelo contrário, é invulgar sem ser esquisito, com uma ligação às artes que lhe dá mesmo alguma nobreza. É muito improvável, por isso, que José Maria Pincel seja uma pessoa destituída de valor. Associá-lo ao anonimato e à insignificância só pode ter sido resultado de uma vingança – que, como se vê, foi malsucedida.

O terceiro erro é o carácter radicalmente antidemocrático de qualquer declaração começada pela expressão “Então mas agora qualquer Zé Maria Pincel pode...?” Não precisamos de ouvir mais para responder afirmativamente: sim, qualquer Zé Maria Pincel pode, no nosso país, fazer o que lhe apetece. De José Maria Pincel nunca se ouviu dizer nada de desonroso. Antes pelo contrário: sabemos apenas que tem ambições, sempre legítimas, e que muitas vezes lhe são negadas sem justificação. “Não é qualquer Zé Maria Pincel que chega aqui e se senta à mesa com a gente.” Pois não sabem o que perdem, pois José Maria Pincel deve ser uma pessoa bem interessante, com muitas histórias tristes de discriminação para contar.



Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ visão

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