Toda a gente está preocupadíssima com o modo como o excesso de turistas contribui para a descaracterização das nossas cidades. Eu estou inquieto com o que os turistas fazem à nossa auto estima. Explicar Portugal a um estrangeiro gera situações muito embaraçosas. O que se segue é o diálogo clássico que ocorre entre estrangeiros e portugueses sempre que os primeiros, por azar, vêem a capa de um jornal no país dos segundos:
Estrangeiro: Quem é este?
Português: Esse é Manuel Pinho, antigo ministro da Economia. É acusado de ter continuado a receber dinheiro do BES enquanto era membro do governo.
Estrangeiro: Mas recebeu uma quantia uma vez sem exemplo?
Português: Não, parece que recebia 15 mil euros por mês.
Estrangeiro: Então era ministro ao mesmo tempo que continuava a ser assalariado de um banco? Faço ideia do escândalo que isso deu quando ele foi forçado a demitir-se.
Português: Na verdade, ele foi forçado a demitir-se por outro motivo.
Estrangeiro: Um motivo ainda pior?
Português: Bom, depende da perspectiva. Ele demitiu-se por ter feito corninhos, com os dedos, na direcção de um deputado. Desta relação inadmissível com o banco, ninguém sabia.
Estrangeiro: Nem desconfiava, provavelmente. Imagino que não houvesse assim tantos ex--funcionários deste banco a transitar para cargos importantes.
Português: Bom, na verdade havia. Está a descobrir-se agora que o presidente desse banco fazia vários alegados pagamentos alegadamente avultados a um alegado grupo de alegadas pessoas alegadamente importantes.
Estrangeiro: Mas, se calhar, na altura em que os factos ocorreram, nada levaria alguém de bom senso a desconfiar de que ele tivesse tanta gente no bolso.
Português: Nada. Rigorosamente nada. Tirando o facto de a alcunha dele ser “dono disto tudo”.
Estrangeiro: Quem era o primeiro-ministro nesta altura?
Português: Um homem chamado Sócrates. Ele é acusado de também ter estado envolvido num esquema de corrupção.
Estrangeiro: Percebo. São coisas difíceis de detectar porque, normalmente, quem faz isto é bastante discreto quanto aos gastos.
Português: Não, na verdade ele era bastante extravagante. Por acaso, vivia claramente acima dos rendimentos conhecidos.
Estrangeiro: Já vi tudo. E ninguém desconfiou porque se trata de um daqueles homens extraordinariamente sedutores por serem muito simpáticos, cultos, educados, interessantes...
Português: Exacto, é isso. Tirando o facto de ele não ser simpático. Nem culto. Nem educado. Nem interessante.
Estrangeiro: Então ele deve ter uma óptima história para justificar o acesso a tanto dinheiro.
Português: Bom, sim. Ele tem um amigo que é muito generoso com ele.
Estrangeiro: Porque, no passado, o Sócrates lhe deu um rim.
Português: Não.
Estrangeiro: Salvou-lhe a vida interpondo-se entre ele e uma bala?
Português: Não. São só muito amigos. Aquele tipo de amizade que leva um amigo a emprestar milhares e milhares de euros a outro amigo sem registar o montante em dívida. E a emprestar uma casa ao amigo mas só depois de ter feito obras para que a casa fique completamente ao seu gosto. E a comprar milhares de livros do amigo.
Estrangeiro: Surpreende-me que não haja um unicórnio nessa história.
Português: Ah, acredita em unicórnios?
Estrangeiro: Não, mas vocês parecem acreditar.
Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ Visão
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