sexta-feira, outubro 27, 2017

O vilipêndio na óptica do vilependiado

Quando o advogado Pedro Delille disse que o despacho da Operação Marquês era, e cito, “um atascanço de vilipêndios”, admirei a escolha de palavras. Em rigor, talvez o termo “atascanço” não exista, mas os grandes cultores da língua tambémsão conhecidos pela inovação vocabular. E a opção por “atascanço”, em lugar do dicionarizado “atascadeiro”, sugere movimento e intenção: o Ministério Público não descreveu um atascadeiro, produziu um atascanço. O problema é que, escassos dias mais tarde, José Sócrates disse que a acusação era, como ele já ouvira a alguém, “um lamaçal de vitupérios”. Em primeiro lugar, é importante reter que esta é uma estratégia habitual em Sócrates: dizer “já ouvi a alguém”, ou “diz-se por aí”, e depois acrescentar qualquer coisa que foi dita pelos seus advogados, ou por uma das suas incansáveis viúvas. É como se eu dissesse: “Como já ouvi a alguém, eu sou realmente muito bonito”, omitindo que estou a referir-me à minha mãe. Em segundo lugar, Sócrates não tem a mesma sensibilidade linguística de Pedro Delille. De facto, qualquer pessoa concorda que o despacho é um lamaçal de vitupérios, uma vez que o que lá se descreve é, com efeito, lamacento; e um vitupério, segundo os sábios da academia das ciências, pode significar crítica dura, ou repreensão severa – ao contrário do vilipêndio, que só tem a acepção de insulto.

Entretanto, a entrevista à RTP contribuiu para esclarecer aquilo que, para Sócrates, é e não é infamante. Vítor Gonçalves perguntou-lhe: “Hoje como é que o senhor vive, como é que paga as suas despesas?” Sócrates disse que aquela última pergunta era um insulto. O jornalista acrescentou: “Não vive então com empréstimos do seu amigo Carlos Santos Silva?” E Sócrates enfureceu-se ainda mais. Nessa altura, lembrei-me da primeira pergunta da entrevista, que foi: “O senhor foi ou não um primeiro-ministro corrupto?” A essa questão, Sócrates respondeu com toda a calma. Ora, no meu mundo, é mais ofensivo perguntarem-me se sou corrupto do que quererem saber como pago as minhas despesas, sobretudo se eu tiver sido titular de um cargo público. Curiosamente, em relação àquelas três imputações (ser corrupto, não ter rendimentos suficientes para fazer face às despesas, e receber empréstimos do amigo), a primeira é a única que Sócrates não confessou ao juiz. É interessante que Sócrates ache desonrosos os comportamentos que já admitiu. Eu acho exactamente o mesmo. Estou do lado dele nesta questão.



Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ visão

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