sexta-feira, junho 24, 2016

A Islamofilia do meu tio Alfredo

Depois dos atentados contra o Charlie Hebdo, o Bataclan e um bar gay em Orlando, o retrato dos terroristas islâmicos começa a ficar cada vez mais claro: são pessoas, digamos assim, que odeiam piadas, música rock e homossexuais. É um pouco inquietante constatar esta afinidade ideológica entre o Daesh e o meu tio Alfredo. Tirando uma divergência importante sobre o consumo de vinho verde tinto, entre os fundamentalistas e o meu tio Alfredo verifica-se aquilo a que se costuma chamar um amplo consenso. O meu tio Alfredo já morreu, que a cirrose não perdoa, mas explanou raciocínios enquanto era vivo – que é, aliás, a altura ideal para os explanar. Entre os autores de piadas, os frequentadores de concertos e os homossexuais, os únicos dos quais ouvi o meu tio Alfredo dizer que mereciam morrer foram os últimos. Se o meu tio Alfredo fosse vivo, talvez aproveitasse este massacre para rever a sua opinião sobre o acolhimento de refugiados. Afinal, a hipótese de podermos receber muçulmanos radicais talvez provocasse um choque civilizacional bastante menor do que ele temia.

Primeiro, mesmo não sendo cartunistas, fomos todos Charlie. Depois, mesmo tendo nascido noutros sítios, fomos todos parisienses. Agora, no entanto, não somos todos homossexuais. Percebe-se. No trânsito, ninguém diz: “Não se faz o pisca, ó Charlie?” Em rixas, é raro ouvir-se: “O que é que tu queres, meu parisiense?” Mas a ideia de homossexualidade costuma vir à baila em insultos. Os americanos costumam acusar-se mutuamente de “motherfuckers”, que é, de facto, uma preferência sexual grotesca (a menos que a mother não seja nossa, evidentemente), e os ingleses consideram insultuoso o apodo “wanker” – uma idiossincrasia cultural que custa a entender. Mas, em português, creio que só a homossexualidade é tida como ofensiva. Não se ouve, por esses estádios de futebol, a pergunta: “Isto não é penalty, ó fetichista de pés?” Provavelmente por isso, ainda ninguém disse: “Eu sou homossexual.” Às vezes, nem os homossexuais se sentem à vontade para dizê-lo.

Horas depois do massacre, o Estado Islâmico reivindicou o atentado e Donald Trump reivindicou razão sobre o atentado. Acaba por ser uma vitória de Pirro porque, curiosamente, este terá sido dos atentados menos lamentados por boa parte dos apoiantes de Donald Trump. É preciso ter azar: logo agora que ele imagina ter razão, o atentado é daqueles que não preocupa.


Fonte: ricardo Araujo Pereira @ Visão

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