sexta-feira, julho 10, 2015

Introdução ao estudo da cavacada

Cavaco Silva disse: 'A zona do euro são 19 países. Eu espero que a Grécia não saia. Mas, se sair, ficam 18 países.' Estive a fazer contas e obtive o mesmo resultado

O pobre senhor de La Palice nunca terá proferido uma lapalissada. O que se passa é que o seu epitáfio dizia qualquer coisa como: "Aqui jaz o senhor de La Palice, que se não estivesse morto ainda faria inveja." Alguém tresleu maldosamente a palavra "envie" ("inveja") e tomou-a por "en vie", o que transformava o epitáfio no seguinte truísmo: "Aqui jaz o senhor de La Palice, que se não estivesse morto estaria ainda vivo." Cavaco não tem a desculpa do epitáfio. Há, neste momento, um razoável consenso entre especialistas no sentido de considerar que o Presidente se encontra ainda vivo. As cavacadas distinguem-se, por isso, das lapalissadas, na medida em que o seu autor é verdadeiramente responsável por elas. A cavacada é genuína, ao passo que a lapalissada não passa de um logro. A cavacada é a única que reúne condições, designadamente ao nível da certificação e da origem demarcada, para se candidatar a património imaterial da UNESCO, e no entanto é diariamente ultrapassada pela lapalissada em popularidade e prestígio.


Talvez as coisas estejam a mudar. Esta semana, Cavaco Silva disse: "A zona do euro são 19 países. Eu espero que a Grécia não saia. Mas, se sair, ficam 18 países." Estive a fazer contas e obtive o mesmo resultado. Esta cavacada não é, porém, uma cavacada qualquer. Trata-se de uma banalidade que banaliza, o que constitui uma inovação na história das platitudes. Uma coisa é dizer: "O Carlinhos tem 19 maçãs. Se perder uma, fica com 18 maçãs." É apenas uma banalidade. Mas, se a maçã que o Carlinhos perder conseguir bichar as outras 18 maçãs, ou transformar as outras 18 maçãs em maçãs mais pequeninas, ou em 17 maçãs, a mera aritmética não consegue explicar a catástrofe que se abaterá sobre a fruteira do Carlinhos.


É possível que se torne mais claro o efeito da fria utilização de uma subtracção simples para descrever perdas na zona euro se a aplicarmos, digamos, num velório. Imagino que Cavaco se aproxime de um familiar enlutado e diga: "Soube que um dos seus progenitores morreu. De acordo com as minhas contas, ainda lhe sobra um." É verdade, mas acaba por confortar pouco.


Proferida a cavacada, o Presidente acrescentou ainda: "Eu penso que o euro não vai fracassar." Uma vez que se trata do mesmo vidente que profetizou que os portugueses podiam confiar no BES, gostaria de comunicar ao sector bancário que, a partir deste momento, estou comprador de dólares.  


Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ Visão

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