sábado, março 30, 2019

Inspira, expira

Havia aquela anedota de uma loira que vai ao cabeleireiro. Pedem-lhe para tirar os auscultadores do walkman mas ela diz que não pode ser, caso contrário morre. A esteticista diz-lhe que não seja tonta, tira-lhe os auscultadores e, segundos depois, a loira cai morta. A esteticista põe os auscultadores e ouve uma voz que diz: inspira, expira, inspira, expira. Hoje, a anedota não faz sentido. Já não há walkman, já não há loiras em anedotas e já quase não há anedotas. E, mais importante, já não é extravagante não saber respirar. Há uma boa quantidade de livros, vídeos e até cursos destinados a ensinar a respirar – o que significa que toda a gente precisa de aprender a respirar. E não só: também ninguém sabe bem como dormir. Há dias estava a ver um inovador produto que promete ensinar a respirar melhor para que o consumidor durma melhor. Trata-se de um disco que se coloca na mesa-de-cabeceira. Ele projecta uma luz para o tecto e a gente tem de ir respirando ao ritmo a que a luz brilha. A cadência da luz vai diminuindo e, por isso, a nossa respiração também. E então adormecemos mais facilmente. Estive a segundos de encomendar o produto, que custava 49 libras, até que me ocorreu que eu era a loira da anedota. Talvez neste ponto eu deva fazer algumas declarações de princípios. Eu não acho que exista uma relação entre a cor do cabelo de uma pessoa e a sua capacidade intelectual. Não discrimino entre loiras, morenas ou ruivas. Tenho amigas loiras e acho que elas devem poder casar e adoptar crianças. Possuo um papel azul de 25 linhas selado e reconhecido por um notário que comprova tudo o que acabei de dizer. Mas não queria ser a loira da anedota porque ela é burra ao ponto de não saber respirar. É só isso.

No entanto, hoje ninguém parece saber respirar. Nem dormir. Eram coisas que se nascia a saber fazer, como qualquer animal. Mas agora somos tão civilizados que precisamos de aprender a executar aquelas tarefas que os animais fazem instintivamente, como respirar e dormir. Ora, não é o meu caso. Agradeço a ajuda da sociedade para respirar e dormir mas cá me hei-de arranjar. Eu continuo a ser um animal – como acho que se nota. E não é circunstância que me entristeça, atenção. Posso ser um bicho selvagem, mas poupei 49 libras. 



Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ visão

2 comentários:

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