domingo, abril 10, 2016

Análise e interpretação de uma arma

Na sequência de uma excelente iniciativa levada a cabo por uma cadeira em 1968, um grupo de militares derrubou finalmente o Estado Novo a 25 de Abril de 1974. Usaram espingardas, chaimites e fragatas. Esta semana, um tribunal angolano condenou 17 jovens por planearem derrubar o governo. Quando foram capturados, os revoltosos estavam na posse do seguinte armamento de guerra: um livro.

Por terem lido e discutido um livro intitulado “Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura”, os 17 perigosos leitores foram condenados a penas de prisão entre os dois anos e três meses e os oito anos e meio. É possível que, só por ter acabado de escrever o título, eu me arrisque a duas semanas num presídio de Luanda, se alguma vez visitar Angola. O livro foi lido na íntegra no tribunal, o que constitui uma imprudência incompreensível. Para julgar réus que tinham lido e discutido um livro, o juiz decidiu ler e discutir o livro. É o mesmo que, para julgar devidamente um assassino, assassinar alguém em tribunal. Na verdade, talvez não seja bem a mesma coisa porque, ao que se diz, em Angola certos homicídios são menos graves do que certas sessões de leitura.

Não sou especialista, mas parece-me que “Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura” inaugura um novo subgénero, dentro da literatura policial. Nos livros policiais tradicionais, o livro contra a história de um crime e o criminoso acaba preso. Neste livro, é quem o lê que comete o crime e acaba na prisão. Não creio que tenha futuro, enquanto género literário, mas é um daqueles livros dos quais se pode dizer, sem dúvida nenhuma, que mudam a vida do leitor. Nem todas as obras se podem gabar do mesmo.

No final do julgamento, os leitores delinquentes foram acusados de serem uma associação de malfeitores que pretendia tomar o poder em Angola. Arrepia só de pensar. Imaginem uma associação de malfeitores a governar Angola. Provavelmente, um governo composto por gente dessa abusaria do poder e apropriar-se-ia das riquezas do País. Depois, talvez as distribuísse por um conjunto de generais amigos e pelos próprios filhos. Havia de perseguir e matar opositores políticos, falsificar cadernos eleitorais e viciar eleições. Talvez fosse mesmo capaz de instituir um regime no qual ler um livro fosse um crime punível com pena de prisão. Ainda bem que conseguiram pará-los a tempo. O povo angolano livrou-se de boa.


Fonte: Ricardo Araujo Pereira @ Visão


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