terça-feira, julho 31, 2018

Benfica sem tempo para perder tempo

Com um programa imponente para o mês de Agosto, o Benfica não tem realmente tempo para perder tempo na pré-temporada ou lá como chamam a este período estival. Por norma, a tal pré-temporada é uma fase única, amplamente consentida pelo patronato, em que os treinadores se vão dedicando a atividades de laboratório em lugares mais ou menos exóticos perante o beneplácito da imprensa, a benevolência dos adeptos e a curiosidade mórbida dos rivais. A estes luxos não se pôde entregar o Benfica este ano. Está a pouco mais de uma semana do seu primeiro jogo oficial da temporada, um desafio de importância maior - trata-se de chegar ou não chegar à fase de grupos da Liga dos Campeões - e tem por adversário o Fenerbahçe da Turquia, que não sendo, nem de perto nem de longe, um papão do continente europeu é, ainda assim, uma grande e presumível chatice.

O presidente do clube turco chama-se Ali Koç e, usando a prerrogativa do optimismo desmesurado que pertence a todos os presidentes dos clubes de futebol, chamou alegremente à atenção para o facto de "este Benfica" que lhes saiu na rifa já não ser "o velho Benfica". Foi assim que foi entendido por cá, como uma provocaçãozinha, o seu discurso. Mas mal. Não quis o presidente do Fenerbahçe menorizar as capacidades do Benfica, com que se irá brevemente encontrar, só pelo prazer da picardia. O senhor Koç referia-se, e com carradas de razão, ao "velho Benfica" de Shéu, de Nené e Jordão que pespegou 7 golos ao Fenerbahçe numa inspirada quarta-feira europeia do distantíssimo ano de 1975, cabazada essa que, ainda hoje, deve provocar uma comoção, para não lhe chamar trauma, aos numerosos adeptos daquele emblema da cidade de Istambul. A cada um o seu Celta de Vigo.

Destinava-se, assim, a consumo interno a comparação deste Benfica - que não pespegará 7-0 a este Fenerbahçe - com o Benfica de há 43 anos que cometeu precisamente essa proeza. O senhor Koç falava para "dentro" do seu clube mas a verdade é que foram igualmente as suas considerações muito apreciadas no Estádio da Luz, não por reconhecimento da homenagem implícita a Shéu, Nené e Jordão, mas porque uma alfinetada destas, mesmo involuntária, espicaça sempre a equipa e sabe-se como é importante ter a equipa espicaçada nas grandes ocasiões. E nas pequenas também. Por vezes, há presidentes que julgando estar a falar para dentro dos seus clubes nem imaginam como estão, de facto, a falar para fora e com que impacto.

O próprio presidente do Benfica falando esta semana em Newark para uma plateia de benfiquistas afirmou ser o Benfica não um grande clube "mas um gigante". Falava para dentro do Benfica ou falava para fora do Benfica, Luís Filipe Vieira? Na realidade, falou exclusivamente para fora e não foi pelos motivos mais piedosos. Um gigante, pois… Fora, uma coisa destas irrita. Dentro, nem é preciso dizer, já toda a gente sabe disso há séculos.



Fonte: Leonor Pinhão @ record

quinta-feira, julho 26, 2018

Paióis De Roçarem Ânsias Pela Minha Alma Em Ouro

Um aviãozinho militar atirou uma bomba ao ar. A que terra foi parar?” Esta pergunta tem sido feita vezes sem conta, mas não conheço quem saiba a resposta. Creio que este é o maior e mais antigo mistério militar português, seguido de muito perto pelo de Tancos. É possível que a bomba que o aviãozinho militar atirou ao ar tenha ido parar a Tancos, e é por isso que ninguém sabe dela. Talvez tenha sido roubada, ou mal inventariada, ou esteja esquecida por trás de algum caixote.

O caso de Tancos teve o grande mérito de introduzir na discussão pública a bonita palavra paiol, no plural: paióis. As rondas aos paióis, o assalto aos paióis, a visita do presidente aos paióis. Todos os apreciadores de poesia se lembraram imediatamente do segundo poema das Impressões do Crepúsculo, de Fernando Pessoa, que começa com a palavra “pauis” e fundou a corrente literária conhecida por paulismo. A minha proposta é o lançamento de um movimento estético parecido, chamado paiolismo. É inspirado no assalto aos paióis, evidentemente. E consegue agrupar várias características da portugalidade, como o absurdo quotidiano, a desorganização e a irresponsabilidade.


Para compreender o paiolismo é necessário fazer uma breve cronologia dos acontecimentos: primeiro, os paióis foram assaltados. Depois, ninguém sabia dizer exactamente o que é que tinha sido levado. A seguir, o ministro Azeredo Lopes (um extraordinário paiolista) disse que, “no limite, podia não ter havido furto nenhum”. Um mês depois de o ministro ter colocado a hipótese de não ter havido crime, os criminosos devolveram o material furtado. Duas semanas depois da devolução, descobriu-se que os ladrões tinham devolvido material a mais. Esta semana, soube-se que afinal devolveram material a menos. É muito provável que a história continue a desenrolar-se, até porque há várias teorias. Cada país tem o JFK que merece, e este é o nosso. 
Os americanos prenderam um homem que, ao que parece, não tinha nada a ver com o caso; nós optamos por não prender ninguém. Entre o método americano e o português, prefiro o nosso. Um inocente na cadeia é uma barbaridade. E, no nosso país, há dez milhões de inocentes. Meter-nos a todos na cadeia, além de bárbaro, é impossível



Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ visão

sábado, julho 21, 2018

Desporto de fim de semana - 2018/07/21

Futebol
Sábado, 2018/07/21
 - 15:05 - Bayern München -v- Paris SG - International Champions Cup 2018 (SportTv2)
 - 16:30 - Valencia -v- Galatasaray - Pré-Época 2018/19 (SportTv3)
 - 17:05 - Sevilla -v- Benfica - Pré-Época 2018/19 (SportTv1)

Domingo, 2018/07/22
 - 01:00 - São Paulo -v- Corinthians - Brasileirão 2018 (PFC)
 - 16:30 - Portugal -v- Finlândia - Euro U19 2018 (SportTv1)
 - 21:05 - Liverpool -v- Borussia Dortmund - International Champions Cup 2018 (SportTv2)

Terça-feira, 2018/07/24
 - 17:30 - Valencia -v- Lausanne-Sport - Pré-Época 2018/19 (SportTv3)

Quinta-feira, 2018/07/26
 - 00:05 - Juventus -v- Bayern München - International Champions Cup 2018 (SportTv2)
 - 01:05 - Borussia Dortmund -v- Benfica - International Champions Cup 2018 (SportTv1)
 - 01:05 - Manchester City -v- Liverpool - International Champions Cup 2018 (SportTv3)
 - 03:05 - Roma -v- Tottenham - International Champions Cup 2018 (SportTv2)
 - 04:05 - Milan -v- Manchester United - International Champions Cup 2018 (SportTv3)
 - 12:35 - Atlético Madrid -v- Arsenal - International Champions Cup 2018 (SportTv2)


Formula 1
Domingo, 2018/07/22
 - 13:00 - Alemanha - Hockenheim

quinta-feira, julho 19, 2018

Terrorismo sério e responsável

Quando se soube que o Al Shabaab, um grupo terrorista ligado à al-Qaeda, tinha proibido os sacos de plástico por serem perigosos para a humanidade, muita gente riu: assassinam pessoas e preocupam-se com a humanidade? Ora, a pergunta não faz sentido. Primeiro, é bastante frequente que indivíduos muito bem-intencionados proponham soluções grotescas, restrições da liberdade, homicídios. É precisamente por serem tão bonzinhos que se acham no direito de proibir, prender e matar. Em segundo lugar, não há nenhuma contradição entre odiar pessoas e amar a humanidade. São entidades diferentes. Pelas minhas contas, temos: pessoas, gente, povo e humanidade. O pior são as pessoas, claro, e o melhor é a humanidade.

As pessoas não fazem pisca no trânsito; a humanidade foi à Lua. A humanidade é tão digna que, muitas vezes, aparece grafada com h grande: a Humanidade. Isso nunca aconteceu às pessoas, e bem. Não faz sentido escrever que as Pessoas deitam lixo no chão (coisa que a Humanidade, aliás, nunca faria). As pessoas raramente merecem a honra da maiúscula. Em geral, são referidas no fim da conversa, em tom de lamento: “realmente, as pessoas…”, e sempre com p pequeno.

A gente talvez esteja num patamar acima, mas não muito. Há gente muito estúpida. O que é normal, dado que a gente costuma ser formada por muitas pessoas. Mas, apesar de tudo, às vezes é possível confiar na gente, e integrá-la para fazer coisas giras. Por exemplo, determinada festa foi muito divertida, porque estava lá muita gente. Pena que duas ou três pessoas tenham estragado tudo. É sempre assim: as pessoas dão cabo da vida da gente.

O povo já é outra coisa. Dedica-se sobretudo à política, e com uma nobreza que falta claramente às pessoas. Os políticos, infelizmente, são, em geral, pessoas. O povo, que é sábio, vota neles, mas apenas porque não tem alternativa. Pudesse o povo votar no povo e as nações, verdadeiramente governadas pelos povos, prosperariam. No entanto, o povo não tem outro remédio senão votar em pessoas, com os resultados que todos conhecemos.


Não surpreende, por isso, que a Humanidade seja capaz de tantas e tão grandes façanhas: ela é formada pelo conjunto dos povos. Quando os povos se juntam para criar a Humanidade, aliam a excelência de cada um à dos outros, e o resultado é uma entidade que consegue atingir cumes da civilização, como as vacinas, a conquista do espaço e o gin tónico.

Falta descobrir o essencial: em que ponto passam as pessoas a ser gente – e, sobretudo, quando é que a gente se transforma em povo e Humanidade. Esse momento tem de ser identificado e estudado na escola. Deve ser uma delícia andar de autocarro com a Humanidade, aguardar na fila do supermercado atrás da Humanidade, ir à bola na companhia da Humanidade. Fazer tudo isso com pessoas é quase sempre chato, e muitas vezes perigoso.



Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ visão

Se houver traças a Croácia será Campeã do Mundo

Amanhã haverá um novo campeão do mundo. A França é favorita. Os franceses já conquistaram títulos mundiais e europeus e a selecção da Croácia nunca ganhou nada de jeito. Por isso mesmo, neste altíssimo patamar a que chegaram, manda o bom senso não esperar por surpresas nem, muito menos, por anedotas. Este Mundial da Rússia até teve as suas graças como a saída rápida dos alemães pela porta dos fundos ou a cruelíssima contabilização do tempo que Neymar passou deitado na relva. Mas o que importa é saber se hoje, pelo final da tarde, terão conseguido os croatas fazer em Moscovo o mesmo que os portugueses fizeram há dois anos em Paris perante uma França também favorita até doer. Pode acontecer. Se Modric se magoar e abandonar o campo antes do primeiro quarto-de-hora do jogo não sem que antes uma traça tenha pousado amorosamente numa sobrancelha do próximo melhor jogador do mundo, então teremos uma grande, grande surpresa no Estádio Lujniki em Moscovo. Venham as traças!

O próximo campeonato – aquilo que verdadeiramente a todos interessa – sofreu uma partida em falso. Coisa nunca vista no nosso futebol que, praticamente, já viu de tudo. O primeiro desenho do calendário da prova viu-se deitado ao lixo em função de uma disfunção operacional. Um erro humano na leitura dos números, coisa que a qualquer um pode acontecer ou já ter acontecido, invalidou o que a sorte tinha ditado a todos os concorrentes no sorteio original obrigando a uma segunda tômbola e a um segundo calendário, forçosamente diferente, que foi o que ficou a valer. No calendário errado havia "derby" em Alvalade à 3.ª ronda e no calendário da rifa certa há "derby" na Luz à 3.ª jornada. Ninguém pode adivinhar o que de inovador poderia ter calhado na 3.ª jornada, em termos da Segunda Circular, se os erros de leitura tivessem persistido e houvesse necessidade de um terceiro sorteio… Mas factos são factos e, assim, fica o Benfica a saber que recebe o velho rival entre dois jogos de qualificação para a Liga dos Campeões e fica o Sporting a saber que terá de visitar a casa do rival de sempre nas vésperas do acto eleitoral apontado para 8 de Setembro. Venha o diabo e escolha.

Como nunca mais ninguém lhe louvou o "comportamento ético" desde que as escutas do Apito Dourado viraram um sucesso, o presidente do FC Porto elogiou-se agora a si próprio numa publicação interna do clube a que preside exaltando, justamente, o seu "comportamento ético" face ao momento vivido pelo Sporting. Fez, no entanto, uma distinção preciosa ao nomear as pessoas do Sporting a quem telefonou para, sob "palavra de honra", garantir que não contrataria nenhum dos trânsfugas. Pinto da Costa referiu-se a Bruno de Carvalho diplomaticamente por "presidente" mas para José Maria Ricciardi e para, Eduardo Barroso, num registo mais intimista, empregou os termos "amigos" e "distintos". Que maldade.



Fonte: Leonor Pinhão @ record

sábado, julho 14, 2018

Fernando Madonna

A minha posição relativamente aos lugares de estacionamento da Madonna é a seguinte: eu levo a mal ter de tomar posição relativamente aos lugares de estacionamento da Madonna. Tenho assistido, com grande sonolência, ao debate. Há chamadas de primeira página nos jornais, intervenções dos partidos, colunas de opinião, revelação de documentos – sobre lugares de estacionamento. Viaturas, e tal. Que ocupam determinada área de metragem quadrada. A problemática do estacionamento é capaz de ser o assunto de conversa mais pequeno e aborrecido da História das Conversas. Mesmo no âmbito do tema geral da circulação rodoviária, ele mesmo um pináculo de chatice, o estacionamento consegue guindar-se ao zingamocho da estopada.

A minha irritação tem dois grandes responsáveis: Medina e Madonna. É por causa deles que estamos há uma semana a discutir estacionamentos. Medina, que já tinha ido ao Ritz dar as boas-vindas a Madonna, está agora preocupado com o sítio onde ela parqueia. Todas as pequenas necessidades de Madonna, Medina supre. E supre pressuroso. 
Ao mesmo tempo que atravanca o trânsito dos 
outros 500 mil munícipes, resolve os problemas 
de circulação de uma.

Mas é em relação a Madonna que tenho o ressentimento mais fundo. Já houve um tempo em que discutíamos com gosto o encontro feliz da Madonna com o sistema rodoviário. Aquela foto de Steven Meisel, em que ela pede boleia na berma da estrada, toda nua só com saltos altos e uma malinha, proporcionou-me horas de gostosa reflexão. Mas esta questão do estacionamento é – não há outra forma de o descrever – pelintrice milionária. Madonna deve dar-se ao respeito. Como mãe de um jogador das camadas jovens do Benfica, tem uma imagem a proteger.


Pedinchar lugares de estacionamento à câmara municipal é uma conduta imprópria dos muito ricos. A parte boa de ter dinheiro é, precisamente, não precisar de pedir favores ao presidente da câmara. Comprar uma frota de 15 carros e depois precisar de ajuda para os estacionar é incongruente: ou bem que se é excêntrico, ou bem que se é mesquinho. A grande vantagem de ter Madonna a viver em Portugal 
é, ao que nos dizem, o prestígio associado ao facto de uma grande vedeta escolher o nosso país para morar. Mas então comporte-se como grande vedeta. Se tem 15 carros, contrate 15 motoristas que os mantenham a circular à volta do palácio, até ter necessidade de se meter num deles para ir ao pão. Coisas 
de grande vedeta. Uma estrela pop a sério teria 
comprado os paços do concelho e estacionado os carros no gabinete do Medina



Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ visão

terça-feira, julho 10, 2018

Os rapazes, os passarinhos e o idiota da aldeia

O Estádio da Luz abre hoje as portas para que os adeptos assistam livremente a uma sessão de trabalho da equipa principal de futebol. São de esperar uns quantos milhares movidos pela volúpia de retomar o contacto com aquilo que verdadeiramente os faz vibrar: a bola. Começa, assim, em termos públicos a temporada de 2018/2019 sucessora de uma temporada a todos os títulos medíocre em função das expectativas naturalmente criadas com o desempenho mais do que eficiente de uma equipa que desafiou a História conquistando quatro títulos nacionais consecutivos entre 2013 e 2017. O Benfica contratou neste defeso muita gente que se adivinha importante mas o frenesi maior nas bancadas será o da avaliação "in loco" dos jovens produtos da casa como João Félix ou Gedson Fernandes. São estes jogadores, agora inseridos num ambiente de adultos, que toda a gente vai querer ver hoje em acção na Luz. Em acção hoje e amanhã e depois… porque grande desgosto seria ver Félix e Gedson vendidos aos alegados "tubarões" que os cobiçam no mercados deste Verão antes de os ver dar uns pontapés oficialmente na bola ao serviço de quem os formou.
A meia-dúzia de visitas da Polícia Judiciária ao Estádio da Luz não afastou o patrocinador principal do futebol – a Fly Emirates – da órbita do Benfica. Ora aqui está uma excelente notícia. E, porventura, inesperada.

Divulgadas pela Liga de Clubes, as matérias "condicionantes" do sorteio do próximo campeonato nacional não desdenham a possibilidade de haver dérbis ou clássicos nas primeiras três jornadas da prova. Por um lado é aceitável porque os sorteios querem-se livres como os passarinhos. Por outro lado é inaceitável porque, ao contrário das justas benevolências concedidas na época passada ao Sporting por força da sua participação na fase de apuramento para a Liga dos Campeões, não haverá este ano a menor benevolência no que respeita ao calendário do Benfica no exigentíssimo mês de Agosto que se adivinha. Não é de crer que a Liga não considere de "interesse nacional" uma eventual qualificação do Benfica para a prova mais importante de clubes a nível continental tal como considerou no ano passado quando tratou de proporcionar a um outro emblema as melhores condições de acesso ao mais alto patamar do futebol europeu. E o Benfica, o que tem a dizer a isto? Passarinhos?

"O drama da internet é que promoveu o idiota da aldeia a figura nacional", explicou, muito bem explicado, o escritor e filósofo italiano Umberto Eco numa das suas derradeiras aparições públicas. Eco preocupava-se com "a legião de imbecis" que "antigamente eram imediatamente calados" e que agora "têm o mesmo direito à palavra do que um Prémio Nobel". Vêm estas sábias reflexões a propósito de outras sobre o mesmo tema com que se têm justificado recentemente os clamorosos idiotas da aldeia do futebol em Portugal.



Fonte: Leonor Pinhão @ record

José Maria Pincel: Subsídios para uma biografia

A presença de José Maria Pincel no espaço público português é tão intensa quanto misteriosa. A frequência com que se invoca o seu nome, quase sempre com feia altivez, assinala uma contradição incontestável: José Maria Pincel é, muitas vezes, o símbolo do anonimato – e, no entanto, é um dos nomes mais famosos de Portugal. “Então mas agora qualquer Zé Maria Pincel chega a deputado?”, costuma ouvir-se – e afirmações deste tipo contêm, pelo menos, três erros. O primeiro é, como já vimos, que, à força de repetição, o nome de José Maria Pincel ganhou uma proeminência que o desqualifica para designar gente anónima.

O segundo erro é que, neste e noutros casos, José Maria Pincel aparece não apenas como um anónimo, mas também como um borra-botas. Ora, sucede que José Maria Pincel é um péssimo nome para um borra-botas. Um nome vulgar, como Zé Silva, ou Zé Pereira, seria mais apropriado para designar um indivíduo, digamos, sem berço. Mas um José Maria? Note-se que não se trata de um mero Zé, como os que costumam protagonizar frases corriqueiras, a saber: “Ó Zé, 
vai buscar pão, que já não há.” De modo nenhum. Estamos perante um Zé Maria, que costuma ouvir solicitações bem diferentes, tais como: “Ó Zé Maria, venha cá dar um beijinho à tia.” Além do mais, Pincel está longe de ser um apelido banal. Antes pelo contrário, é invulgar sem ser esquisito, com uma ligação às artes que lhe dá mesmo alguma nobreza. É muito improvável, por isso, que José Maria Pincel seja uma pessoa destituída de valor. Associá-lo ao anonimato e à insignificância só pode ter sido resultado de uma vingança – que, como se vê, foi malsucedida.

O terceiro erro é o carácter radicalmente antidemocrático de qualquer declaração começada pela expressão “Então mas agora qualquer Zé Maria Pincel pode...?” Não precisamos de ouvir mais para responder afirmativamente: sim, qualquer Zé Maria Pincel pode, no nosso país, fazer o que lhe apetece. De José Maria Pincel nunca se ouviu dizer nada de desonroso. Antes pelo contrário: sabemos apenas que tem ambições, sempre legítimas, e que muitas vezes lhe são negadas sem justificação. “Não é qualquer Zé Maria Pincel que chega aqui e se senta à mesa com a gente.” Pois não sabem o que perdem, pois José Maria Pincel deve ser uma pessoa bem interessante, com muitas histórias tristes de discriminação para contar.



Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ visão

domingo, julho 01, 2018

A humanização de Cristiano Ronaldo

Se Cristiano Ronaldo não fosse Cristiano Ronaldo dir-se-ia, em bom futebolês, que tinha sido aquele o sujeito que "enterrou" a nossa selecção no jogo com o Irão e a fez cair para o indesejado 2.º lugar no Grupo B. Não só desperdiçou uma grande penalidade como se arriscou a ser expulso depois de uma semi-cotovelada num adversário. Essa amável agressão, em termos práticos, serviu para elevar os níveis de hostilidade do público, dos jogadores iranianos e até do árbitro e do VAR que, minutos depois, lavariam as consciências apontando uma grande penalidade bastante duvidosa contra a equipa portuguesa. Mas como Cristiano Ronaldo é Cristiano Ronaldo o que importou verdadeiramente foi que tivemos o privilégio laico de o vermos não como uma divindade mas "humanizado" pelas falhas. Hoje, no entanto, convém que se "desumanize" outra vez a partir das 7 da tarde.
Ricardo Quaresma e Carlos Queirós trocaram um chorrilho de acusações no rescaldo do jogo da última segunda-feira. Pode-se dizer que, até ao momento, foi este o único episódio folclórico da campanha corrente, o momento "tuga" da presença nacional na Rússia. E basta. Esta novela picaresca, recheada de contas antigas e de crispações modernas, teria todos os ingredientes – ódios, vinganças, baixarias – para se constituir num êxito mediático com o consequente furor de audiências a arrastar tudo e todos para uma discussão sem fim sobre os méritos e os pecados dos intervenientes. Mas não foi nada disso que se passou. A altercação entre compatriotas durou pouco mais de 24 horas e extinguiu-se com a naturalidade com que se extingue qualquer vulgar caso do dia embora, neste confronto, se registassem inúmeros elementos retóricos do tipo animalesco e de lesa-Pátria que são tão do agrado das multidões.
Poderia, de facto, a guerra Quaresma-Queirós ter obtido os favores do público para se transformar no grande entretenimento nacional merecedor de aberturas de telejornais e de programas televisivos que lhe fossem inteiramente dedicados. E teria sido assim, certamente, se não estivesse o país ainda esgotado psicologicamente com a novela anterior que se arrastou por meses e só terminou na madrugada de domingo passado no palco da Altice Arena com choros, ranger de dentes, ameaças físicas, insultos e forte presença policial. Nos tempos mais próximos e depois de uma coisa daquelas torna-se muito difícil, quase impossível, que qualquer outro dramalhão consiga agarrar a devoção dos consumidores. A desintoxicação do público vai demorar.



Fonte: Leonor Pinhão @ record

Desporto de fim de semana - 2024/03/23

Sábado, 2024/03/23  - 14:00 - Futebol Feminino - SL Benfica -v- Sc Braga - Liga Bpi | 23/24 - Jornada 18  - 15:00 - Rugby - SL Benfica -v-...