sexta-feira, dezembro 30, 2016

Sobre material escolar

O Sporting está a três meses do seu ato eleitoral e enquanto não for público o nome do candidato que se irá bater contra a situação continuará a restringir-se ao Benfica a verborreia do presidente em exercício. São da mais elementar cartilha dos jogos da conservação do poder estes ataques desenfreados ao "inimigo externo" apontado a dedo como o culpado de todos os males que afligem a nação.

Sem pretender estabelecer comparações sempre injustas até porque, sendo princípio básico que "cada caso é um caso", há menos de 20 anos teve o Benfica um presidente que subsistiu triunfalmente bastando-lhe para tal eleger a Sport TV de Joaquim Oliveira como o "inimigo externo". E, se quisermos andar ainda mais para trás, muito para trás, não destoará recordar os episódios medievais da guerra declarada a Lisboa lançada com retumbante sucesso por José Maria Pedroto quando se viu a comandar um FC Porto que, historicamente, claudicava mal punha os pés na margem sul do Douro já considerado como território hostil da mouraria.

Estes procedimentos corriqueiros na sua essência continuam, no entanto, a espantar gente incauta, ou apenas distraída, que se surpreende a cada arremetida do mesmo género vendo nestes furores primários, tão do agrado das bases, uma grossa novidade sem par. Nada mais errado. É a política, pá! 

E é, precisamente por se tratar de uma questão de política, que os opositores internos de Bruno de Carvalho se mantém numa doce clandestinidade exercitando os seus argumentos anónimos no remanso das redes sociais, poupando-se estrategicamente ao confronto direto com o "brunismo" reinante e canalizando para o Benfica toda a veia persecutória do presidente dos leões até ao dia – sabe-se lá quando… - em que entenderem dar a cara e enfrentar o tal sujeito que se considera a si próprio uma referência do futebol mundial. 

E só por isto se vê como a coisa promete. No que diz respeito ao Sporting é esta, em toda a sua simplicidade, a questão do momento. No que diz respeito ao Benfica a questão é a de se definir se deve o tricampeão consentir, ou não, ver-se envolvido na campanha eleitoral em curso do outro lado da 2ª Circular até porque, francamente, é do seu supremo interesse que se mantenha o atual "status quo" em Alvalade. 

Por isto mesmo terá sido grande desperdício de tempo a resposta que o novo diretor de comunicação do Benfica entendeu dar perante a última alocução do presidente do Sporting visto não haver ninguém em Portugal que precise de explicações sobre a necessidade política de provocar o Benfica sempre que a luz de um adorado holofote lhe acende o discursar. O resto são golos. E material escolar. 

A primeira equipa do mundo a ser "roubada" pelo vídeo-árbitro 
Se houvesse por cá vídeo-árbitro o dérbi de domingo estaria ainda hoje suspenso à espera de que a componente "árbitro" da componente "vídeo" chegasse a uma conclusão irrefutável sobre a existência ou não de dolo nos lances apontados como polémicos pelo lado dos vencidos e pelo lado dos vencedores. 

O público por lá continuaria, sofrendo as agruras de uma semana de ausência dos empregos e das obrigações escolares, enquanto o colégio de juízes diante do ecrã não fizesse o favor de se decidir. Estas coisas não podem ser à pressa. Veja-se o caso do vídeo-árbitro testado no Mundial de clubes a decorrer no Japão. 

No jogo entre os colombianos do Nacional e os japoneses do Kashima, a tecnologia detetou uma falta para grande penalidade mas não detetou que a dita infração fora cometida fora da área, resultando daí grande prejuízo para a verdade desportiva. 

Mas fez-se história: o Nacional de Medellín foi a primeira equipa do mundo a ser roubada pelo vídeo-árbitro. É outra categoria.


Fonte : Leonor Pinhão @ correio da manha

Donald Trump e "O costa do castelo": um estudo

Quando se soube que a China tinha recolhido um drone subaquático americano em águas internacionais, Donald Trump observou no Twitter que se tratava de um acto "sem presidentes". Algum tempo depois corrigiu para "sem precedentes", mas já era tarde: a explicação para a sua eleição tinha sido finalmente encontrada.

Foi uma tarefa difícil. Ao longo dos últimos meses, vários analistas políticos tentaram descobrir a razão que pudesse justificar que Trump tivesse sido eleito.

Para uns foi por Hillary ser mulher, para outros foi por não ser mulher o suficiente, para outros ainda foi por ser mulher de Bill Clinton. Para certos filósofos amadores, o alaranjado troglodita venceu por representar os desfavorecidos o que constitui uma proeza notável para um milionário que admite não pagar impostos. Para outros analistas, igualmente argutos, Trump ganhou por causa do racismo da sociedade americana a mesma sociedade que tinha eleito um negro para dois mandatos seguidos. Para Bernie Sanders, e cito, "Trump ganhou porque as pessoas estão cansadas da retórica do politicamente correcto". Mas a mais perspicaz foi, sem dúvida nenhuma, a famosa politóloga Madonna, segundo a qual "Trump ganhou porque as mulheres se odeiam umas às outras". "Está na sua natureza", concluiu a especialista. É uma teoria que não consegue explicar a eleição de Thatcher, Merkel, Dilma e Fátima Felgueiras, por exemplo, mas já fazia falta uma voz que viesse recriminar as malvadas sufragistas: isto de as mulheres poderem votar, ao que parece, impede as mulheres de chegarem ao poder. Infelizmente, Madonna não pôde aconselhar Emmeline Pankhurst, e agora estamos metidos neste lodaçal da igualdade de direitos. Com surpresa minha, ninguém considerou a hipótese de a vitória de Trump se dever ao facto de 50 milhões de pessoas terem dito "eu vou mas é votar no Pinheiro de Azevedo se ele tornar a ir para o hospital, pronto", embora essa possibilidade seja bastante melhor do que qualquer das outras.

Até que, esta semana, Donald Trump chamou a uma manobra militar chinesa um acto "sem presidentes", e revelou que é, afinal, uma personagem de um filme português dos anos 40. Trump é, sem tirar nem pôr, "O Pai Tirano" até porque também é pai, e tudo indica que vá ser tirano. Não admira que tenha sido eleito: toda a gente tem ternura por aquelas personagens, cuja ignorância compõe trocadilhos involuntários que dão muita vontade de rir. Foi assim que ele conseguiu interpretar o sintimento assim mesmo, com i do povo americano. Quando, durante a campanha, ele disse que adorava os eleitores com menos habilitações não estava a ser paternalista estava a revelar auto-estima.

Fonte: Ricardo Araujo Pereira @ Visão

segunda-feira, dezembro 26, 2016

A nossa crise chamou-se Jonas

Facto notável, este de o Benfica ter chegado ao fim de Dezembro vivo para todas as competições nacionais e internacionais que se dispôs a abordar com a seriedade que o seu nome, história e ambição lhe recomendam. E não foi nada fácil ultrapassar a tormentosa série de circunstâncias que, por períodos mais ou menos longos, afastou dos trabalhos da sua equipa de futebol jogadores justamente considerados fulcrais para o êxito. Agora que a temporada se aproxima do seu meio e perante resultados que garantem uma Consoada pacífica, é caso para se dizer que todos os jogadores do Benfica se tornaram fulcrais, mesmo os menos estimados como tal pela crítica sempre exigente e também pelos adeptos frequentemente impiedosos nos seus rankings e afetos.

Um dos méritos maiores de Rui Vitória no conturbado arranque hospitalar de 2016/17 foi o de explicar bem cedo a toda a gente interessada que, ao contrário do que seria de supor, cada lesão - e que rodopio de lesões! - seria encarada como "uma oportunidade e não como um drama". O treinador não falhou na sua previsão e os jogadores chamados a cobrir as ausências nunca falharam no que lhes foi exigido e não foi pouco. Talvez este primado da confiança somado a um percurso muito positivo da equipa expliquem a indiferença com que um caloroso vizinho da bancada recebeu na última quarta-feira a notícia de que, ao contrário do que tinha sucedido no jogo com o Estoril, seria Mitroglou o titular contra o Rio Ave, ficando Raúl Jiménez no banco a descansar.. "Tanto faz", disse, acabando a sorver o seu cafezinho antes de se dirigir tranquilamente para o seu lugar.

Na verdade, não "tanto faz" porque se trata de modelos diferentes de jogo, mas se nos lembrarmos de que o Benfica mal começou a época e já tinha os seus trés avançados - o grego, o mexicano e Jonas - na enfermaria e de que, com estas baixas, não se atrasou em nenhuma das corridas, talvez se justifique a gritante falta de "drama" que nos sossega a cada contrariedade.

Por tudo isto, o regresso de Jonas, o mais fulcral de todos os fulcrais, foi recebido com alegria esfusiante pelos pelos adeptos. Embora não se tenha notado muito, disfarçada que foi pelo empenho geral, o Benfica resistiu categoricamente à crise de meses provocada pela ausência do seu melhor jogador sem que a dita crise molestasse minimamente as ambições da casa. Um feliz Natal!


Fonte: Leonor Pinhão @ record



sexta-feira, dezembro 23, 2016

Mariquice linguística

Como, por razões de saúde, não estou presente nas chamadas redes sociais, conto com vigilantes florestais amigos para me manterem informado acerca dos incêndios que vão lavrando por lá. Tendo sido esta semana responsável por um, ainda que de pequena dimensão, desejo aproveitar este momento, em que os indignados não dedicaram ainda a sua indignação a outro alvo, para os indignar ainda mais.

O escritor e crítico literário Eduardo Pitta (EP) comentou certo passo de uma das centenas de entrevistas que tenho dado a propósito do lançamento de um livro. O entrevistador falou--me de uma rábula antiga em que se usavam palavras como "coxo" e "mariconço". E eu disse que esse sketch, bem recebido na altura, hoje seria, provavelmente, considerado inadmissível.

As observações de EP vieram demonstrar que eu tinha mais razão do que pensava. Diz ele: "(.) em Portugal, (.) os homossexuais masculinos dividem-se em três grupos: homossexuais, gays e bichas. (.) não sei o que é um mariconço. (.) Mas RAP lamenta não poder achincalhar os mariconços." Estou a tentar reproduzir com rigor e honestidade as palavras de EP um cuidado que, infelizmente, ele não teve comigo: eu nunca lamentei não poder achincalhar os mariconços (até porque, na verdade, posso e considero, aliás, que todas as pessoas, independentemente da cor, género, religião ou orientação sexual podem ser achincalhadas. Sou pela igualdade).

O sketch em causa, curiosamente, não achincalhava ninguém.

A rábula não tinha (mas talvez devesse ter) a clássica indicação "nenhum mariconço foi magoado durante a filmagem deste sketch", para sossego de todos. Para situar os leitores que têm o bom gosto de não acompanhar o meu trabalho, explico melhor: era uma rábula sobre a enunciação de palavras tais como "coxo", "vesgo", "fanhoso" ou "mariconço", num tipo de discurso a que não deviam pertencer. No sketch, uma personagem não domina certos códigos de linguagem e outra corrige-a. Dito assim parece aborrecido, mas o visionamento da rábula acaba por demonstrar que é mesmo aborrecido.

Ora, hoje não interessa o contexto nem a intenção com que uma palavra é dita: a sua simples enunciação é uma ofensa um achincalhamento. Nos EUA, livros como Não Matem a Cotovia estão a ser banidos dos programas e das bibliotecas por conterem a palavra "nigger". Não importa se o objectivo é denunciar o racismo ou praticá-lo: aquela palavra é interdita.

Este apetite para excluir palavras do espaço público tem várias causas. Vou começar pela palavra "coxo" (embora a comunidade coxa tenha mantido a este propósito o silêncio sensato do costume).

Decidiu-se que pessoas como os coxos são demasiado frágeis para aguentarem o peso da palavra "coxo". Há que almofadar o vocábulo, para os proteger. Talvez o caso mais interessante seja o da palavra "velho".

Para salvar os velhos do opróbrio da palavra "velho", o termo foi substituído por "sénior". Mas este ano, o Departamento de Excelência Inclusiva da universidade do New Hampshire concluiu que substituir a palavra "velho" por um eufemismo poderia indicar que estamos a colocar uma carga negativa na velhice (o que, aliás, é óbvio).

De modo que resolveram banir a palavra "sénior" e reabilitar a palavra "velho".

A palavra "mariconço" é rechaçada por outras razões, entre as quais a seguinte: há uma compulsão actual para a literalidade que leva a que certas pessoas acreditem que as palavras têm um único significado. É um entendimento infantil do funcionamento da linguagem, mas é o argumento de EP: "mariconço" designa um homossexual masculino, e ele só não sabe que lugar lhe atribuir na sua taxinomia de homossexuais. No meu mundo, no entanto, as palavras têm mais do que um significado. Quando digo às minhas filhas que não sejam maricas, não estou a pedir-lhes que não sejam homossexuais masculinos. Elas sabem, aliás, que, se quiserem ser homossexuais masculinos, o pai não se opõe. Do mesmo modo, quando digo que "estou fodido", não pretendo transmitir a ideia de que as relações sexuais são desagradáveis, embora o diga sempre em tom de lamento. Quando a comunidade homossexual escolheu, e bem, adoptar a designação "queer", transformou um insulto num emblema. É uma das características que distinguem as palavras dos actos: uma ofensa pode passar a ser uma honra; um soco nunca deixa de magoar. Quando Mark Ashton organizou o "Concerto dos Pervertidos", não contribuiu para perpetuar a ideia de que a homossexualidade é uma perversão ajudou a destruí-la. Ashton é um herói pessoal porque, na minha qualidade de mariconço, nutro especial respeito por homossexuais que não são dados a mariquices.

Mas, infelizmente, agora vivemos num tempo em que até os escritores parecem ter esquecido que a linguagem é mais complicada do que parece. E isso foi a única coisa que eu lamentei.


Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ Visão

terça-feira, dezembro 20, 2016

Está tudo explicado

O Benfica venceu o Sporting no domingo e na quarta feira - feira qualificou-se sem sobressaltos para os oitavos-de-final da Taça de Portugal. O dérbi revelou-nos a beleza do futebol de Rafa, agora que o ex-bracarense se vê recuperado do problema físico que o afligia, e o jogo com o Real Massamá revelou-nos a infinita habilidade de Cervi e de Zivkovic, que chegaram no Verão passado à Luz. Até o sorteio da Liga dos Campeões correu bem ao Benfica. Não porque seja, nem em sonhos, favorito diante do Borussia de Dortmund, mas precisamente porque, vendo-se livre dessa responsabilidade toda alemã, tem campo aberto para fazer boa figura, que é o que sempre se deseja aos nossos nestes confrontos desiguais..

Agora que os juízes do Tribunal Arbitral do Desporto levantaram a pena de 60 dias de suspensão a Luís Filipe Vieira - que, entre outros constrangimentos, o impedia de falar, sob risco de agravar para o dobro o castigo - é, desejável que, mantendo-se fiel ao seu silêncio, não caia no erro de se imiscuir na vida própria dos emblemas rivais.

Seria altamente impróprio para o presidente do Benfica dizer o que quer que fosse sobre a recente entrevista de Pinto da Costa ao JN, que é toda ela um discurso para o interior do FC do Porto - " Se não fosse o meu filho não tínhamos o Rui Pedro "..." Vejo para aí 500 candidatos à minha sucessão "... -, nem, muito menos, sobre o cacharolete de declarações de Bruno de carvalho de domingo, de segunda-feira, de terça-feira, de quarta-feira, de quinta-feira e de sexta-feira, porque somadas são todas elas peças de um mesmo discurso para o interior do Sporting - " Quero que as minhas filhas tenham orgulho em mim e só se fala de dinheiro"... " Quando aparecerem os candidatos logo direi o que tenho a dizer sobre cada um "... o que, certamente, fará.

Por muitos prementes que sejam, como aparentemente são, as legítimas questões eleitorais no Dragão e em Alvalade e por mais frequentes que sejam os convites para o Benfica ir a jogo ao lamaçal, sendo o mesmo Benfica estranho ao que se passa em casa dos outros, não tem de se prestar para o exterior ao papel de "partner" voluntário dessas necessidades bélicas nem, para o seu interior, ao papel de "explicador" de situações a que é alheio. Porquê? Porque, basicamente, já está tudo explicado. Ou não está?


Fonte: Leonor Pinhão @ record



Sobre material escolar

O Sporting está a três meses do seu ato eleitoral e enquanto não for público o nome do candidato que se irá bater contra a situação continuará a restringir-se ao Benfica a verborreia do presidente em exercício. São da mais elementar cartilha dos jogos da conservação do poder estes ataques desenfreados ao "inimigo externo" apontado a dedo como o culpado de todos os males que afligem a nação. 

Sem pretender estabelecer comparações sempre injustas até porque, sendo princípio básico que "cada caso é um caso", há menos de 20 anos teve o Benfica um presidente que subsistiu triunfalmente bastando-lhe para tal eleger a Sport TV de Joaquim Oliveira como o "inimigo externo". E, se quisermos andar ainda mais para trás, muito para trás, não destoará recordar os episódios medievais da guerra declarada a Lisboa lançada com retumbante sucesso por José Maria Pedroto quando se viu a comandar um FC Porto que, historicamente, claudicava mal punha os pés na margem sul do Douro já considerado como território hostil da mouraria. 

Estes procedimentos corriqueiros na sua essência continuam, no entanto, a espantar gente incauta, ou apenas distraída, que se surpreende a cada arremetida do mesmo género vendo nestes furores primários, tão do agrado das bases, uma grossa novidade sem par. Nada mais errado. É a política, pá! 

E é, precisamente por se tratar de uma questão de política, que os opositores internos de Bruno de Carvalho se mantém numa doce clandestinidade exercitando os seus argumentos anónimos no remanso das redes sociais, poupando-se estrategicamente ao confronto direto com o "brunismo" reinante e canalizando para o Benfica toda a veia persecutória do presidente dos leões até ao dia – sabe-se lá quando… - em que entenderem dar a cara e enfrentar o tal sujeito que se considera a si próprio uma referência do futebol mundial. 

E só por isto se vê como a coisa promete. No que diz respeito ao Sporting é esta, em toda a sua simplicidade, a questão do momento. No que diz respeito ao Benfica a questão é a de se definir se deve o tricampeão consentir, ou não, ver-se envolvido na campanha eleitoral em curso do outro lado da 2ª Circular até porque, francamente, é do seu supremo interesse que se mantenha o atual "status quo" em Alvalade. 

Por isto mesmo terá sido grande desperdício de tempo a resposta que o novo diretor de comunicação do Benfica entendeu dar perante a última alocução do presidente do Sporting visto não haver ninguém em Portugal que precise de explicações sobre a necessidade política de provocar o Benfica sempre que a luz de um adorado holofote lhe acende o discursar. O resto são golos. E material escolar. 


A primeira equipa do mundo a ser "roubada" pelo vídeo-árbitro 
Se houvesse por cá vídeo-árbitro o dérbi de domingo estaria ainda hoje suspenso à espera de que a componente "árbitro" da componente "vídeo" chegasse a uma conclusão irrefutável sobre a existência ou não de dolo nos lances apontados como polémicos pelo lado dos vencidos e pelo lado dos vencedores. 

O público por lá continuaria, sofrendo as agruras de uma semana de ausência dos empregos e das obrigações escolares, enquanto o colégio de juízes diante do ecrã não fizesse o favor de se decidir. Estas coisas não podem ser à pressa. Veja-se o caso do vídeo-árbitro testado no Mundial de clubes a decorrer no Japão. 

No jogo entre os colombianos do Nacional e os japoneses do Kashima, a tecnologia detetou uma falta para grande penalidade mas não detetou que a dita infração fora cometida fora da área, resultando daí grande prejuízo para a verdade desportiva. 

Mas fez-se história: o Nacional de Medellín foi a primeira equipa do mundo a ser roubada pelo vídeo-árbitro. É outra categoria.


Fonte: Leonor Pinhão @ correio da manha


sexta-feira, dezembro 16, 2016

Até que o vós me doa

Tenho saudades de uma pessoa. É a segunda pessoa do plural. Em Lisboa, como sabeis, fora do púlpito praticamente ninguém a usa. Se calhar, tem um sabor antigo – e vós desejais ser modernos. Ou então soa a beatice – e vós ambicionais ser marotos. Seja por que razão for, a segunda pessoa do plural foi substituída por uma formulação meio esquisita. Em vez de “vós falais”, dizeis “vocês falam”. (Eu também digo, mas estou a conter-me para efeitos de comédia.) Ora, “falam” é a terceira pessoa do plural e, por isso, “vocês falam” constitui uma mixórdia linguística. 
A forma verbal que usamos para “eles”, aplicamos a “vós”. Na verdade, a “vocês” – que, ao que parece, resulta da contracção das palavras “vossas mercês”, uma expressão pelo menos tão antiquada como “vós”. Em Lisboa (e não só) dizemos, por isso, “vocês falam” e “eles falam”. Aquele “falam” passa a servir para tudo. Em inglês, a mesma forma verbal também serve para várias pessoas: I speak, you speak, we speak, they speak. É uma falta de higiene e uma vergonha. Parece uma língua inventada por crianças.

Façamos um esforço para retomar o vós. E, de caminho, tentemos também recuperar esta forma de imperativo que parece usar o presente do conjuntivo. Nos livros, ainda se diz: “Brindemos à saúde do Vítor.” Na vida real, no entanto, toda a gente diz: “Vamos brindar à saúde do Martim”, não só porque ninguém usa aquele imperativo, como porque já quase ninguém se chama Vítor. Os colegas das minhas filhas têm nomes completamente diferentes dos colegas que eu tinha na idade delas. Não há um Jorge, acabaram os Fernandos e os Paulos, escasseiam os Carlos e rareiam mais ainda os Vítores. Já no meu tempo, não havia Vicentes, e quase ninguém se chamava Tomás, Martim ou Lourenço. Vós chamastes outros nomes aos vossos filhos e parastes de invectivar os amigos com o imperativo que pede emprestado ao conjuntivo. “Partamos imediatamente, Alberto!”, costumava exclamar-se. “Vamos embora, João Maria!”, grita-se agora. Estais dispostos a reaver conjugações antigas? Se sim, contactai-me. Tentemos organizar um grupo de gente saudosa deste modo de falar, e decidida a devolver-lhe o uso. Já houve iniciativas piores, não diríeis?


Fonte: Ricardo Araújo Pereira  @ Visão


domingo, dezembro 11, 2016

Uma coisa não invalida a outra

Ainda não será um vício mas já começa a ser uma mania. Que este Benfica se vê sempre aflito, muito aflito, quando encontra pela frente equipas que o pressionam nos momentos da construção do seu jogo  ofensivo é um dado corriqueiro de cultura geral. Melhor seria, ouve-se murmurar pelos cafés da Baixa, no turbilhão dos transportes públicos e nas cátedras universitárias, que nestes desafios de ulterior importância o Benfica abdicasse dos seus galões e da consequente prosápia surpreendendo o adversário, seja ele qual for, com um meio-campo reforçado, um futebolzinho contido todo feito de paciência à espera dos erros alheios que, inevitavelmente, acabam por acontecer nos noventa minutos da função. É de duvidar se esta propalada mudança de paradigma se vai apresentar pela primeira vez em campo já este domingo tendo em conta que Rui Vitória não é propriamente um treinador sugestionável pelas marés da opinião pública e pelos juízos da crítica especializada que, regra geral, pouco ou nada diferem entre si em substância e se resumem a isto : contra adversários da sua igualha o Benfica tem dificuldades em tomar conta da situação e terá sido por isso que, na época de 2015/2016, perdeu trés vezes com o Sporting e duas vezes com o Porto. Só más notícias, portanto.

A boa notícia é que o Benfica de Rui Vitória quando não se vê na obrigação formal de assumir as despesas do jogo já se mostrou capaz, para alegria de muita gente, de surpreender tudo e todos com resultados tão positivos quanto inesperados e que lhe foram imensamente úteis. Foi assim, sólido e expectante, que venceu em Alvalade o dérbi da segunda volta da temporada passada que lhe terá valido no fim das contas a conquista do seu terceiro campeonato consecutivo. E foi assim, consistente e sem urgências ofensivas, que o Benfica foi vencer o Atlético de Madrid, normalmente intratável no seu campo, naquela que terá sido a sua exibição mais pragmática e mais esperta na era de Rui Vitória. Foi uma beleza. Já lá vais mais de um ano.

Na quarta-feira, o tudo menos avassalador Legia, que não ganhava há 21 anos na Liga dos campeões, soube solutions er tão sorrateiro a jogar e tão esperto a defender que, à laia de bombom, ainda dispôs de trés oportunidades flagrantes de golo nos últimos dez minutos do jogo de Varsóvia. É que uma coisa não invalida a outra. Carrega, Benfica!


Fonte : Leonor Pinhão @ record 


Trabalho infantil e não só

É de louvar o acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto que ilibou o presidente do Sporting de qualquer dolo depois de analisados os fundamentos da participação que o Benfica, queixinhas, fez chegar aos escritórios da referida entidade. 

Vá lá saber-se porquê sentiu-se o Benfica difamado pelas declarações públicas do presidente do Sporting no correr da novela dos "vouchers" e entenderam os da Luz que melhor seria levar o caso até à autoridade disciplinar competente. Um ano depois de se ter dado início ao processo chegou, finalmente, o TAD a uma decisão que absolve Carvalho de qualquer ilícito criminal na matéria. 

Foi uma boa decisão inspirada, curiosamente, numa recentíssima deliberação de um outro órgão do nosso futebol, o Conselho de Arbitragem, que entendeu fazer chegar por carta registada a todos os árbitros a recomendação de não serem avaros no tempo concedido de descontos sempre que se depararem com o exercício livre do antijogo em atividade. 

E, assim, enquanto os árbitros devem dar o desconto justo também o Tribunal Arbitral do Desporto entendeu que se deve também dar o desconto às alocuções televisionadas do presidente do Sporting em função dos traços do seu caráter enquanto cidadão com "um estilo que faz parte de uma personalidade com uma noção de urbanidade sui generis, criticável e censurável no plano da vivência social" pelo que "é evidente que as afirmações proferidas por Bruno de Carvalho estão longe de se poderem considerar um modelo de relacionamento urbano". Foram estas as novidades da semana que antecede o dérbi: os árbitros têm de dar o desconto quando o antijogo impera e o país tem de dar o desconto devido a Carvalho quando extravasa os modelos de urbanidade no seu "tom exagerado, repetitivo e apologético" como se pode ler no acórdão do TAD. 

Dentro do mesmo espírito surgiu-nos novo episódio: um jogador federado das camadas jovens do Sporting utilizou as redes sociais para revelar a sua veia de poeta-pirómano numa quadra mal medida mas bem explícita quanto ao âmago do seu devaneio: diz que quer ver as bancadas da Luz a arder tal como aconteceu por ocasião de um dérbi em 2011. 

Certamente que a disciplina federativa não vai punir este lirismo odiento porque há que dar desconto à juventude do jogador transferido sensacionalmente do Pontinha para Alvalade no último verão, há que dar desconto ao facto de ser filho do presidente dos árbitros e de uma assessora do presidente da Liga e, sobretudo, há que lhe dar desconto porque somos um país de poetas. 

Deu-se aqui o caso de não ser o bom senso a falar 
O FC Porto resolveu a míngua de golos com uma sonora tareia aplicada ao campeão inglês e prepara-se para assistir no sofá ao Benfica-Sporting que lhe renderá dividendos porque um dos dois vai perder pontos. 

Até pode acontecer que percam pontos os dois dando-se o caso, corriqueiro, de o jogo terminar empatado. No universo portista é esta a questão que tem andado no ar: que resultado do dérbi melhor serviria os nossos interesses? 

As opiniões dividem-se como é costume nestas situações. No entanto, os mais ajuizados garantem que o melhor para o FC Porto seria não dar por garantida a vitória sobre o Feirense no lugar de se preocupar com o resultado da Luz. É o bom senso a falar. 

Veja-se, por exemplo, o caso do treinador do Sporting que anunciou com duas semanas de avanço a "Liga Europa muito bonita" que o Sporting ia fazer, esquecendo-se de que, para tal, ainda lhe faltava pontuar em Varsóvia, o que acabou por não suceder. Deu-se aqui o caso de não ser o bom senso a falar.


Fonte: Leonor Pinhão @ correio da manha


sexta-feira, dezembro 09, 2016

Peço desculpa, contive-me

Segundo diz aquele grupo de nostálgicos para os quais antigamente é que era bom, vivemos hoje uma profunda crise de valores. Depois de ter visto o incidente do debate entre Mourinho Félix e Leitão Amaro, sinto-me tentado a concordar. Já tive ocasião de lamentar aqui a aflitiva pobreza dos insultos na política portuguesa contemporânea, mas creio que esta semana teremos atingido um novo mínimo. O melhor que o secretário de Estado conseguiu foi dizer que o deputado do PSD revelava, e cito, "uma disfuncionalidade cognitiva temporária". Trata-se, possivelmente, do insulto mais pífio da história dos vitupérios.

É uma ofensa vergonhosa, que faz os possíveis para não magoar. "Disfuncionalidade cognitiva" é uma construção que significa burro, mas já se sabe como as perífrases retiram agressividade a uma ideia. Esta, além do mais, através da palavra "disfuncionalidade", sugere e existência de uma patologia, da qual o insultado não tem culpa. E a necessidade de salientar que se trata de uma condição "temporária" é mais um paninho quente que contribui para embolar a injúria, de modo a que ela acabe por não injuriar. No máximo, o que Mourinho Félix conseguiu foi insinuar que Leitão Amaro estava armado em parvo. É pouco.

O PSD, por outro lado, esteve bem quando reagiu com indignação, mas mal quando dirigiu a indignação para o sítio errado. A bancada social-democrata exigiu que o secretário de Estado se retractasse, mas devia ter exigido que o governante formulasse um insulto sério e competente.

"Com que delicada flor pensa Vossa Excelência estar a debater?", deviam ter perguntado os sociais-democratas.

"Faça o favor de dirigir ao nosso companheiro uma afronta que vilipendie como deve ser", teriam acrescentado se ainda houvesse honra no parlamento. Em vez disso, segundo a SIC Notícias, que cronometrou o castigo, os deputados do PSD impediram que o secretário de Estado falasse durante quatro minutos e 47 segundos. Nem o progenitor mais leniente alguma vez disse ao seu filho: "Como o menino se portou mal, vai ficar quatro minutos e 47 segundos sem ver televisão." É uma pena ridícula que se ajusta a um delito patético isso é certo. Mas que empenho pode o povo esperar dos seus representantes quando as legítimas divergências democráticas, em lugar de lhes fazerem ferver o sangue, lhes põem a circular nas veias uma cabidela morna e pastelona, incapaz de produzir uma irritação que se apresente? Portugal merece que os seus deputados encontrem um meio-termo entre o que volta e meia acontece no parlamento de Taiwan e o que esta semana sucedeu no nosso: um modelo de discussão rija sem ser selvagem e cordata sem ser mariconça. Normalmente, as pessoas desculpam-se dizendo: "Excedi-me." O sr. secretário de Estado devia ter a decência de nos dizer a todos: "Peço desculpa, contive-me."

Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ Visão

terça-feira, dezembro 06, 2016

O treinador adivinhou

Caros leitores, estarão certamente recordados daquele momento em que Nuno Espírito Santo, o infeliz, porém educadíssimo, treinador do FC Porto saltou do banco como se tivesse sido atingido por um raio e esbracejando, pulando e correndo ao longo da bem delimitada linha lateral festejou de forma pletórica de felicidade o singular golo que Diogo Jota marcou ao Benfica no minuto 5 da segunda parte do último clássico no Dragão. 

Foi, de facto, um minuto inesquecível porque o futebol é em todo o mundo, e por direito próprio, um espetáculo dentro e fora das quatro linhas. Que o diga José Mourinho brutalmente penalizado pelas autoridades em Inglaterra por ter acertado, na semana passada, com um pontapé numa pacífica garrafa de água posta no caminho do "special one" com o intuito de acrescentar novos elementos cénicos ao jogo e às discussões. 

Regressemos à noitinha de 6/11, a Nuno Espírito Santo e à glória dos seus festejos quando viu a bola rematada por Jota passar sorrateira entre o poste e Ederson e depois, continuando o seu trajeto, passar para lá da linha de golo estabelecendo o resultado de 1-0 a favor dos visitados que assim se manteria até ao fatal minuto 92. Logo na altura houve quem visse em toda aquela alegria um bocadinho de exagero porque o desafio estava longe de estar ganho e também porque não fica bem a um treinador do FC Porto dar tanta importância ao facto de a sua equipa conseguir adiantar-se no marcador jogando em casa contra o rival dos rivais. 

Choveram críticas e os reparos mais contundentes choveram, precisamente, do lado dos adeptos portistas que não perdoaram ao seu treinador a insensatez das comemorações tendo em conta o inapelável resultado final. 

Quase um mês passado sobre a data desse clássico começam agora os adeptos do futebol – portistas, benfiquistas e das demais cores – a dar razão a Espírito Santo e a considerar como plenamente justificada toda aquela festa, aquela correria, aquele esbracejar e os concomitantes agradecimentos ao Altíssimo que, lá de cima como é seu timbre, o presenteou com um meio-frango do impecável Ederson, coisa rara de se ver. 

É que depois desse golo de Diogo Jota já lá vão 430’ sem que o FC Porto de Nuno Espírito Santo consiga marcar um golo a quem quer que seja. Passaram 40’ do resto do jogo com o Benfica mais 120’ com o Chaves mais 90’ com os dinamarqueses e, finalmente, mais 180’ de dois jogos com o Belenenses e… nada. Sete horas sem acertar com a baliza justificam a alegria esfusiante de um treinador pelo último golo que teve o privilégio de celebrar. Até parecia que estava a adivinhar… 

Preparem-se porque vem aí o campeonato dos atacadores 
Garantem fontes estabelecidas ao mais alto nível na indústria do futebol que, este ano, o "jogo da mala" começou mais cedo. Ainda não estamos no Natal e já há notícias de que os adversários do Benfica terão aliciantes monetários por cada ponto que consigam roubar ao tricampeão nacional com o intuito de não lhe permitir que chegue ao tetra que, como se compreende, seria francamente doloroso para os supostos maleiros de serviço. 

O Moreirense foi o último adversário do Benfica e o seu presidente desmentiu perentoriamente que os seus jogadores tivessem prémios monetários alheios para travar a equipa de Rui Vitória. E, de facto, foi isso mesmo que se viu em campo. Os visitantes fizeram o seu jogo natural, perderam por 3-0 e o único esforço detetável de antijogo que se lhes pode apontar foi o de passarem mais tempo a apertar os atacadores das chuteiras do que a atacar o Benfica à saída da sua área. Também é verdade que quem não tem cão caça com gato. Mas caça pouco.

Fonte : Leonor Pinhão @ correio da manha

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