sexta-feira, fevereiro 23, 2018

Quem fala assim não é gago nem gaga

Caros e caras leitores e leitoras,

Como todos aqueles e todas aquelas que têm estado empenhados e empenhadas no uso de linguagem inclusiva bem sabem, há reaccionários e reaccionárias que persistem em falar e escrever com evidente desrespeito pelo nosso esforço. Esses e essas, é importante dizê-lo, não manifestam, com tal comportamento, uma mera discordância linguística: são verdadeiros inimigos e verdadeiras inimigas da igualdade de género. Aqueles e aquelas que são suficientemente teimosos e teimosas para não se conformarem ao novo modelo bem podem alegar que isso não faz deles e delas obstinados adversários e obstinadas adversárias de uma sociedade mais igual. Não é verdade. Podem dizer que também sonham com uma sociedade mais igual mas menos ridícula. Não nos convencem. Bem sei que alguns e algumas linguistas têm chamado a atenção para o facto de haver uma diferença entre género gramatical e sexo biológico, mas estão errados e erradas. Quando afirmam que a gramática não é responsável pelo machismo não estão a ser apenas ingénuos e ingénuas: estão a agir como criminosos e criminosas. O nosso projecto, ao contrário do que dizem os mal intencionados e as mal intencionadas, não é coisa de fanáticos e fanáticas. É uma tentativa de endireitar o mundo, sintagma nominal a sintagma nominal, sintagma verbal a sintagma verbal.

O ideal era termos um idioma em que as palavras não tivessem género, como a língua persa, falada no Irão, Tajiquistão e Afeganistão. Um facto que talvez explique os notáveis progressos em matéria de igualdade de género que esses países registam. Por cá, teremos de ficar satisfeitos e satisfeitas com esta língua enjeitada, que tem problemas difíceis de resolver. Por exemplo, como tornar inclusiva a frase “O João e a Maria foram juntos ao cinema”? A palavra “juntos”, no masculino, oprime obviamente a Maria. Mas a frase “O João e a Maria foram junto e junta ao cinema” parece ser agramatical. Só vejo uma solução: que o João e a Maria não vão ao cinema. Pelo menos até que estejamos habilitados e habilitadas a encontrar uma forma de eles poderem assistir a filmes em liberdade e segurança.


Os ingleses e as inglesas obtiveram há pouco tempo uma conquista importante: o metro deixou de saudar os passageiros e as passageiras dizendo “Good morning, ladies and gentleman”, ou seja, “Bom dia senhoras e senhores”, e passou a dizer “Good morning everyone”, isto é, “Bom dia a todos”, para não excluir as pessoas que não se identificam como homem nem como mulher. O problema é que, em português, a frase “Bom dia a todos” (que era, se bem estamos lembrados e lembradas, a forma primitiva de “Bom dia a todos e todas”) exclui os mesmos indivíduos. Para superar essa dificuldade, a filósofa brasileira Marcia Tiburi acaba de editar o livro “Feminismo em comum para todas, todes e todos”. Percebendo bem que a formulação “todos e todas” não era completamente inclusiva, Tiburi acrescentou a forma “todes”.

Só dizendo “todes” conseguimos incluir toda a gente (por enquanto). O que significa que os algarvios e as algarvias sempre foram inclusivos e inclusivas, mesmo sem o saberem. Um abraço para esse povo. Quem fala assim não é gago. Nem gaga.



Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ Visão

sexta-feira, fevereiro 16, 2018

Não há E-fome que não dê em E-factura

Todos os anos prometo o mesmo: desta vez é que eu não vou deixar a validação de facturas para o fim do prazo. Vou ser um cidadão responsável e validar facturas dia a dia. É rápido e fácil. Ou então semana a semana. Assim é que é. Tiro um bocadinho ao fim-de-semana e valido, não custa nada. Se calhar é melhor mês a mês. Sim, mês a mês é mais sensato. E depois chega Fevereiro e tenho as facturas todas por validar. Sou, ao mesmo tempo, um daqueles políticos aldrabões e o eleitorado traído.

Esta semana tenho estado a dar o meu passeio anual pelos bens e serviços que adquiri nos doze meses anteriores. É contabilidade e nostalgia. Um álbum de recordações do consumo. Depois de um ano a pedir facturas e a fornecer números de contribuinte, dedico-me agora a verificar facturas e a reintroduzir números de contribuinte. É pena que o sistema fique por aqui. Gostaria muito de manter o convívio com estas facturas por mais algum tempo. Tenho a certeza de que, com um pouco de imaginação, o Ministério das Finanças conseguiria encontrar uma maneira de, depois do pedido e da validação, obrigar o cidadão a realizar mais duas ou três operações fiscais com estas mesmas facturas. Uma revisão da validação, por exemplo. Ou a verificação da revisão da validação. Ou a comemoração das bodas de prata da validação, efectuada 25 anos após o pedido da factura.

Enquanto o processo de validação se mantém como está, o contribuinte tem o gosto de se confrontar com facturas que foram inseridas e validadas, outras que foram inseridas mas estão por validar, e outras ainda que nem foram inseridas nem estão validadas. Ninguém sabe porque é que o sistema deixa facturas por validar ou inserir, mas todas estas três modalidades oferecem diferentes prazeres. A simples verificação conforta, mas a validação realiza-nos. E a reintrodução completa de facturas requisitadas há meses exercita a memória. A que se referem estes 12 euros e meio que paguei à “Manuel Antunes, Lda” a 12 de Maio de 2017? Será uma despesa de Habitação? Saúde? Ou Outros? Não faço a mínima ideia. Por isso, em princípio, é Outros. 
É impressionante o dinheiro que, anualmente, gasto em Outros.



Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ Visão

domingo, fevereiro 11, 2018

Bruno Triolho, bondade e satiras

Cada um sabe de si e Nosso Senhor sabe de todos. Ora aqui está uma pérola da sabedoria popular. Aplica-se a tudo. Até a clubes de futebol. Cabe, assim, aos sportinguistas discutir a vida associativa do seu emblema e cabe aos demais, aos que não são sportinguistas, evitarem intrometer-se gulosamente nessa discussão alheia com juízos, bitaites e outras ingerências atrozes. Dos aspetos teóricos aos conteúdos mais informais, o momento associativo em Alvalade dispensa, certamente, as opiniões e as sentenças vindas do exterior. Técnicos de opiniões gerais de outras cores e mestres do 'achismo' parcial, abstenham-se de exibir toda a vossa sabedoria sobre revisões de estatutos que não vos dizem respeito, sobre o método de Hondt, seja lá o que isso for, e sobre convocatórias que não vos convocam para coisa nenhuma. Enfim, abstenham-se de perorar sobre a vida dos outros a quem nunca perdoam quando esses 'outros' cometem o mesmíssimo pecado da intromissão nos momentos mais azougados dos vossos e dos nossos clubes, tal como acontece frequentemente.

Sobre a alegada 'crise' no Sporting já disse, portanto, tudo o que queria dizer. Isto é, nada. Há, no entanto, duas questões absolutamente marginais à vida própria dessa instituição desportiva que, por isso mesmo, por serem de essência marginal ao Sporting, não me impedem de achar qualquer coisa, ainda que insignificante como irão de seguida constatar.

A relação da comunicação social com o presidente do Sporting é exemplo de uma sujeição bastante curiosa. Admite-se, por reverência e proteção devida à figura institucional do dirigente de um grande clube, que lhe corrijam por bondade e zelo os erros ortográficos na transposição dos seus escritos do Facebook para o papel impresso ou para as edições on-line. Mas interrogo-me por que razão não existe a mesma bondade da imprensa livre, a mesma proteção e o mesmo zelo – mais importante é o zelo! – quando trata de dar à estampa, publicitar e fazer ecoar listas com os nomes de meia centena supostos proscritos como se um procedimento destes fosse inocente, inconsequente e normalíssimo no ofício de bem informar. Não causa assim admiração a renúncia de Vasco Lourenço ao cargo que detinha no clube. Não foi para isto que ele fez o 25 de Abril.

Depois da ortografia, da comunicação social e da política, segue-se agora a questão do teatro. Lamentou-se o presidente do Sporting de ser vítima de sátiras nos palcos de Lisboa. O facto, em si, nada tem de espantoso. O que é espantoso, para quem desconhece os sintomas, é o facto de o autoproclamado presidente Bruno 'Triolho' não perceber por que razão é ele, e logo ele que se considera mais inteligente do que toda a gente, um alvo dessas chacotas teatrais.
Para terminar, uma breve consideração sobre mais uma jornada da Liga: Benfiquinha, não corras logo à noite em Portimão e vais ver o que te acontece.




Fonte: Leonor Pinhão @ record

sábado, fevereiro 10, 2018

Sherlock Holmes e o caso do camarote presidencial

Vamos começar pelos factos (para os leitores mais jovens, esclareço que “factos” eram uma coisa que os jornais publicavam antigamente, antes do advento das chamadas fake news): Mário Centeno pediu dois bilhetes para ir ver o Benfica-Porto com o seu filho no camarote presidencial do Estádio da Luz; os filhos de Luís Filipe Vieira obtiveram isenção de IMI para um imóvel que recuperaram no Chiado; as autoridades fizeram buscas no gabinete do Ministério das Finanças para averiguar se há relação entre uma coisa e outra. Sucede que a decisão de isentar imóveis de IMI cabe à autarquia, e não ao ministro; e o imóvel em causa qualificava-se legalmente para beneficiar dessa isenção. Pode ser que um destes factos não seja um facto, dado que os recolhi na cada vez mais falível comunicação social. Mas, havendo aqui factualidade, é difícil reconhecer a justiça portuguesa. Estamos perante um caso em que se desconfia que, em troca de dois bilhetes para ir à bola, um ministro concedeu um benefício que não tem poder para conceder a cidadãos que não precisam de favores para o obter. As autoridades judiciais não costumam ser tão zelosas. Ainda não foi assim há tanto tempo que houve para aí umas confusões envolvendo uns submarinos e um centro comercial em Alcochete sem que qualquer gabinete tivesse sido revistado.

Em Portugal, como sabe até quem não tem formação jurídica, há cortesia, jeitinho, favor e corrupção. Destes, só a corrupção é ilegal – e, felizmente, quase nunca ocorre no nosso país. A oferta de bilhetes a Mário Centeno parece ser um pouco mais que uma cortesia. Mas, em princípio, não passou de um jeitinho. Não foi uma cortesia, na medida em que a cortesia costuma ser voluntária. Aqui foi requisitada por Centeno, o que a transforma num jeitinho. Creio que seria um exagero qualificá-la como favor. Mas Mário Centeno está a ser investigado por um crime. Resta-nos, por isso, uma hipótese: ver futebol pode configurar a prática de um crime – o que não é surpreendente. Diz-se que, em Portugal, há criminosos entre os dirigentes, os jogadores e os árbitros. Era uma questão de tempo até os espectadores também estarem sob suspeita. Se o futebol português é um crime, assistir é cumplicidade. Mário Centeno precisa de um bom advogado.



Fonte: Ricardo Araújo Pereira@Visão


sexta-feira, fevereiro 02, 2018

Nem 30 nem 300

Assim que o Governo anunciou a intenção de reduzir para 30 quilómetros por hora o limite de velocidade nas localidades, várias pessoas reclamaram: “Só?! É muito pouco!” E vários habitantes de Lisboa e Porto disseram: “Tanto?! Quem me dera. Quando circulo em hora de ponta raramente passo dos cinco à hora.” Parece ser uma daquelas ideias que indispõe toda a gente. Os automobilistas das grandes cidades já estavam condenados a engonhar por causa dos engarrafamentos, e agora passam a ter de engonhar também por causa da lei. Pessoas que moram em Benfica e trabalham no Parque das Nações melhoram a sua qualidade de vida se se mudarem para a Nazaré. É mais rápido vir da Nazaré para Lisboa, a 120 km/h, do que atravessar a cidade, a 30.

Como sempre faço antes de me pronunciar sobre qualquer tema, levei a cabo um profundo estudo sobre esta medida e, durante a semana, experimentei andar por Lisboa a 30 km/h. O balanço foi extremamente positivo para a minha segurança e a de todas as pessoas com as quais me cruzei, e extremamente negativo para a reputação da minha mãe, sobre cuja suposta actividade profissional isenta de impostos ouvi muitos comentários. Tirando ter de suportar a azeda animosidade dos seus concidadãos, o automobilista que circula a 30 só recolhe benefícios. A esta velocidade é perfeitamente possível ir adiantando o jantar, no caminho para casa. Ou ler um livro. Obtém-se uma nova tranquilidade, muito rara na vida urbana. Uma vez experimentei meter a terceira mas o carro não aguentou. Faz-se o caminho todo em segunda e não é preciso estar a mexer na caixa de velocidades. Dois funcionários da EMEL tentaram multar-me porque não perceberam se eu estava estacionado ou a andar. Fui ultrapassado por praticantes de running (que é, aliás, o antigo jogging. Trata-se de correr, na verdade, mas em estrangeiro). Depois de uma luta renhida, ultrapassei um senhor que ia de burro. Pessoas que iam a pé no passeio pensaram que eu estava a segui-las sinistramente e atiraram-me frutas ao pára-brisas. Foi uma experiência repleta de novas sensações.

A medida parece integrar-se num pacote abrangente que pretende criar um novo tipo de português que não fuma (porque já quase não existem espaços em que o possa fazer), não bebe refrigerantes (uma vez que os impostos sobre as bebidas açucaradas dispararam), não come rissóis nem sandes de presunto nas cantinas hospitalares (após a proibição da secretaria de Estado da Saúde) e conduz a 30 à hora (na sequência desta ideia do ministro da Administração Interna). Em princípio, nunca mais um português morrerá. A não ser de tédio. Mas, ao que tudo indica, o tédio também será proibido muito em breve.



Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ Visão

Desporto de fim de semana - 2024/03/16

Sábado, 2024/03/16  - 14:00 - Futebol - Fc Penafiel -v- SL Benfica B - Liga Portugal 2 | 23/24 - Jornada 26  - 15:00 - Basquetebol - SL Ben...